Fracasso é sentimento, não constatação. Não é necessária qualquer 
derrota para alguém se sentir fracassado. Portanto, sentimento de 
fracasso vem com o destreino de lidar com inadequações. Depois de 
décadas absorvendo um discurso de perfeição, sofro desse sentimento. A 
minha fraqueza parece maior do que realmente é. Sem ter acertado alvos, o
 peso de incontáveis erros agride. Demandas religiosas, familiares ou 
sociais deixam qualquer um arfando. A fadiga de ter que dissimular 
inaptidões sulca rugas profundas.
Continuo calouro, desafino a melodia da vida. Piso na bola. Perco 
belos gols a poucos metros da trave. Se me entrevistarem sobre 
convicções, sei, vou gaguejar. Faço meu caminho, mas tropeço nos 
cadarços soltos. Obrigado a ouvir todos os dias um discurso de 
perfeição, arquejo. Não galguei os degraus da piedade.
Sobram pregadores da culpa, especialistas em conscientizar qualquer 
um sobre as exigências divinas. Só agora entendo as pessoas que 
frequentam alguma religião porque gostam de se constrangerem com suas 
imperfeições.
Diante do espelho, despedaço o ícone que tentaram fazer de mim. Não 
alimento o mito. Aconselho a alma a permanecer comum. Lembro a mim mesmo
 que nenhuma máscara pode ficar grudada na cara quando eu estiver só.
Os anos passaram. Agora, mais do que nunca, vejo-me obrigado a 
admitir impotência. E a me despir do desempenho dos ungidos – ainda não 
aprendi a decretar milagre com a eficiência de muitos sacerdotes.
Depois de anos lidando com manifestações de poder espiritual, quero 
fugir da tentação de encabrestar o próximo. Depois que falei, preguei e 
ensinei tenho que admitir: os meus argumentos não passavam de discurso. 
Para muitos, falhei em convencer.
Vai chegando ao fim a minha alucinação de inteligência. Que bobagem 
imaginar-me genial. Nada me chegou fácil. Aprendi devagar. Continuo 
esquecendo o que decoro. Saber muito nunca me ajudou na perspicácia. Fui
 bronco na hora de antecipar incidentes. E não soube proteger as costas 
das conspirações armadas para me destruir. Não intui o desenrolar dos 
fatos mais cruéis.
Ensinaram que erros passados voltam como bumerangue. Eu sei: o 
objetivo da ameaça é manter as pessoas boas. Mas, se transgredi a lei e 
ofendi a Divindade, suspeito que alguns consideram a minha grave 
punição. Também me ensinaram: “se a maldade dos outros for grande, 
saiba, você é pior; quanto mais cabisbaixo você andar, maior será sua 
disposição de penitenciar-se; e quanto maior a penitência, mais alegria 
no céu”.  Hoje desconfio desse discurso.
Depois que admito fracasso, impotência e culpa, faço as pazes comigo 
mesmo na solidão do espelho. Pergunto sozinho: quem subiu o sarrafo tão 
alto? De onde veio a possibilidade de controlar as variáveis da 
existência? Qual o sentido terapêutico da culpa? Autocomiseração serve a
 quais interesses?
Não preciso desempenhar para ser aceito – quem mente para si mesmo 
nunca será livre. Não quero ser perfeito – despistar sentimento só 
apequena a vida.
Ergo a cabeça. Meu valor não depende de cumprir roteiros alheios. 
Pisoteio o sentimento de fracasso. Procuro desdenhar os acenos da 
vaidade. Faço de tudo para transformar a culpa em aliada.
Soli Deo Gloria 
 
 
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