Tudo o que existe, existe em Deus (At 17.28), quando rompemos com Deus perdemos o local da existência.
Nós deveríamos ter deixado de existir. Deus, porém, não o permitiu, manteve-nos.
Para isso arcou com o custo que a justiça impunha: esvaziou-se no Deus Filho. E foi o primeiro movimento da história da redenção, antes da criação de qualquer criatura. (1Pe 1.18-20)
O esvaziamento é a morte de um Deus: não perde a sua natureza, mas abre mão de suas prerrogativas divinas. (Fil 2.5-8)
A cruz, na história humana, é a manifestação, possível, desse esvaziamento que, satisfazendo o princípio da justiça, permitiu que a Trindade atuasse por graça.
O cumprimento do principio de justiça não poderia ser relativizado, sob pena de perda de credibilidade por parte de Deus. (Ez 18.20)
Todo mau uso da liberdade impõe uma consequência. Para que a criação não desaparecesse o Deus Filho se esvaziou.
Quando, ao romper com Deus, não fomos aniquilados, nos tornamos malvados, porque ao dizer não a Deus, dissemos não a tudo o que Deus disse de nós: que seríamos sua imagem e semelhança. O mal que, antes, só podia ser pensado como tese, agora tinha manifestação histórica.
Se a maldade, porém, se tornasse o tom determinante de nossa história, nossa sobrevivência estaria ameaçada da mesma forma, há um limite para a expansão do mal (Gn 6.5-7; 15.16).
Deus, então, por graça, empresta as suas qualidades a nós, o que garante sobrevida com qualidade mínima, para que possamos sobreviver na nova história, enquanto Deus faz o que tem de ser feito para salvar a nossa história e a nós, nela. (At 14.17)
E nos tornamos paradoxos (Rm 7), carregamos o bem e o mal em nós. E o paradoxo é estado de sofrimento.
Os opostos deveriam se aniquilar, mas, a graça divina não o permite.
O esvaziamento do Deus Filho, num primeiro momento, pela deflagração da graça, permitiu o desaceleramento do caos, estabelecendo o paradoxo em toda a criação. E o paradoxo é estado de sofrimento.
Deus, aliás, criou um mundo pronto para o paradoxo, onde convivem o bem e o mal, o dia e a noite, a vida e a morte. Um mundo cuja estabilidade está, portanto, na ação graciosa da Trindade. (Hb 1.3)
Deus criou um mundo temporário para o intervalo do sofrimento, que é, por definição, temporário.
Um mundo temporário, porque o mundo definitivo só tem bem, vida, luz e bem-aventurança. (Ap 21.1; 22.1-5)
Deus, de várias formas falou pelos pais e pelos profetas e, finalmente, pelo Filho, ensinando-nos a conviver nesse e com esse intervalo, de modo a torná-lo menos insuportável. A chave é o amor como moto de tudo e para todos os atos.
A graça, com que Deus socorre a todas as criaturas, desacelera a volta para o caos, para onde tudo teria de ir imediatamente após a ruptura humana. O aniquilamento dá lugar ao sofrimento, resultado da ação restauradora dessa graça, que estabelece o paradoxo pela infusão de vida num ambiente que deveria ser só morte, se a morte pudesse ser, e que, também, torna possível passar por esse intervalo: o sofrimento.
O esvaziamento do Deus Filho, que, num primeiro momento, permitiu o desaceleramento do caos, tornou o caos uma impossibilidade.
Na ressurreição, o Filho do Homem teve comprovada a eficácia do esvaziamento do Deus Filho. A ressurreição é a comprovação da vitória sobre o aniquilamento e o caos. (1 Co 15.54,55)
Na ascensão o Filho de Deus retomou (o que nunca perdera na essência) sua condição de Deus Filho. (Jo 17.4,5)
Tudo estava consumado e o fim da história é a Vida!
É nessa certeza que atravessamos o intervalo, que é estado inevitável de sofrimento; inevitável, mas, administrável, e que pode ter a intensidade diminuída pelo amor. Portanto, amar é nosso desafio e missão.
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