24 março, 2008

Igreja: casa de misericórdia ou tribunal?

No Encontro Nacional dos Presbíteros, que foi realizado na semana passada em Itaici, o cardeal dom Cláudio Hummes reafirmou a doutrina da Igreja Católica de que as pessoas divorciadas que voltam a se casar podem freqüentar as comunidades católicas, mas não podem confessar e nem receber a comunhão. Em outras palavras, as comunidades devem acolher bem essas pessoas, mas não lhes podem permitir uma participação plena, pois elas estariam fora das leis da Igreja Católica.

Eu não quero discutir aqui a doutrina da Igreja Católica sobre essa questão, e sim como esta posição pode ser percebida ou entendida pela sociedade. Isto é, qual é a imagem e a mensagem que a Igreja Católica está ou pode estar passando para a sociedade, mesmo que de forma involuntária.

As pessoas procuram uma igreja (seja católica ou não) porque desejam, entre outras coisas, se reconciliar com Deus, consigo mesmas e com outras pessoas e também com a comunidade. A sensação de culpa, muitas vezes difusa e sem clareza do quê, é algo que faz parte das nossas vidas. É uma sensação difícil que nos incomoda. Por isso, muitas vezes criamos uma couraça em nós e nós nos tornamos mais insensíveis a nós mesmos e também em relação a outras pessoas. Essas sensações ou sentimentos de culpa não significam que necessariamente nós sejamos culpados de algo, mas estão lá e nos paralisam ou nos tornam agressivos.

Quando nós nos tornamos mais sensíveis a nós mesmos, somos capazes de buscar a reconciliação conosco mesmos e com o que causa essa sensação. Geralmente isto começa com um perdão: perdoando a nós mesmos e/ou pedindo perdão. Quando a reconciliação e perdão acontecem, as pessoas têm a experiência de liberdade e de comunhão. Nós nos sentimos livres e somos mais capazes de percebermos que pertencemos a algo maior que nos une.

Na Igreja Católica, nós consideramos esse processo tão importante que até temos sacramentos para celebrar a reconciliação (também conhecido como "confissão") e a comunhão com Deus e com a comunidade (a eucaristia). Com isso, a Igreja Católica ensina que a reconstrução/reconciliação das relações humanas rompidas é algo mais do que simplesmente humano, é também divino. Ao oferecer o sacramento da reconciliação para todos/as que querem confessar os seus pecados e confessar (fazer a sua profissão) a sua fé no perdão divino, a Igreja confessa e anuncia a sua fé em Deus que é Amor e misericórdia.

Mas, se a Igreja diz que nem todos/as que participam da comunidade podem ter acesso aos sacramentos da "confissão" e da "comunhão", ela cria confusão nas pessoas. Confusão no sentido de que a mensagem pode ser interpretada de diversas formas. Uma interpretação dessa mensagem poderia ser: Deus é misericórdia infinita porque o seu Amor por nós é imutável (não diminui por causa dos nossos pecados) e nos perdoa; mas a Igreja só permite o acesso à confissão para pessoas que estão dentro das leis da Igreja. Assim, o perdão de Deus é muito maior do que a Igreja Católica e os seus sacramentos.

Uma segunda interpretação poderia ser: a Igreja Católica possui o "monopólio" do perdão divino e as pessoas que não têm acesso à confissão não recebem o perdão de Deus e assim a misericórdia divina não é tão grande pois está limitado pelas leis da Igreja Católica.

Apesar da profunda diferença teológica entre essas duas interpretações, há um ponto em comum: a Igreja se apresenta ou é percebida como um lugar onde a lei fala mais alto do que a misericórdia. Mesmo que assumamos a primeira interpretação e digamos que a misericórdia de Deus ultrapassa os limites da Igreja (o que parece ser lógico, pois Deus não pode ser menor do que uma Igreja ou religião), a Igreja Católica é apresentada ou vista como uma casa onde a lei impera, onde a obediência à lei é o mais importante. As pessoas que romperam com essa lei e se casaram pela segunda vez podem receber acolhimento da comunidade, mas não os sacramentos da confissão e da comunhão.

A casa onde a lei fala mais alto e deve ser assim é o tribunal de justiça. Onde o juiz inocenta ou condena pessoas de acordo com o cumprimento ou não das leis. Aqui a culpa implica em castigo. Mesmo que o juiz seja benevolente e livre o culpado do cumprimento da pena, a lei prevalece, pois esse livramento só pode ser feito dentro da lei. A Igreja deve funcionar como um tribunal de justiça?

No fundo, a questão das pessoas divorciadas e casadas novamente vai além de um problema pastoral ou de direito canônico. É uma questão teológica: em que Deus nós cremos? Deus submetido à Lei, que não pode amar e perdoar para além dos limites da Lei, ou Deus que é Amor e Misericórdia, que nos ama infinitamente e por isso não está submetido à lei e nos perdoa para além dos limites das leis.

Viver a fé em Deus-Amor significa assumir o caminho da Igreja como lugar de misericórdia, uma vida comunitária baseada em amor e perdão (dois pilares da reconciliação e da comunhão). Isto não significa o fim das leis ou regras, mas exige uma nova relação com elas. Exige uma forma criativa de vivermos o ensinamento de Jesus: "o Sábado foi feito para o ser humano e não o ser humano para o Sábado" (Mc 2,27).

Jung Mo Sung

2 comentários:

Anônimo disse...

Filho o amor na Igreja continua sendo a regra. E bem ao ponto deste amor é que o pecado (ou melhor dizendo o desamor) continuado, ou seja, algo que é permanente, não pode ser protegido pela Esposa Santa de Cristo. Veja, se você possui a profissão de assassino, e minutos após um homicídio busca a confissão, sendo que para tanto sabes que ainda tens uma lista enorme de morte para cumprir naquele mesmo dia, terá valido sua confissão? Ora, nesse caso, como no do casal de segunda união, o pecado é permanete e não cessa ou tão pouco possue arrependimento. Mas vale ressaltar, que eles não estão condenados por ninguém, apenas afastados por uma opção pessoal que fizeram. De toda sorte, ninguém julga ou julgará pois Deus é o único juíz. Por fim, ressalto que a Igreja de Cristo não é uma casa de comércio, e não se vai a Igreja para adquiri seu prazer pessoal. O amor é doação e quem ama a Cristo ama sua própria Esposa e se doa para ela. Deus é um anseio e o nosso coração deve amá-lo da mesma forma que ele nos ama e amou ao ponto de dar seu filho para nossa redenção.
Que a paz do Senhor Jesus fique contigo.

Anônimo disse...

Filho o amor na Igreja continua sendo a regra. E bem ao ponto deste amor é que o pecado (ou melhor dizendo o desamor) continuado, ou seja, algo que é permanente, não pode ser protegido pela Esposa Santa de Cristo. Veja, se você possui a profissão de assassino, e minutos após um homicídio busca a confissão, sendo que para tanto sabes que ainda tens uma lista enorme de morte para cumprir naquele mesmo dia, terá valido sua confissão? Ora, nesse caso, como no do casal de segunda união, o pecado é permanete e não cessa ou tão pouco possue arrependimento. Mas vale ressaltar, que eles não estão condenados por ninguém, apenas afastados por uma opção pessoal que fizeram. De toda sorte, ninguém julga ou julgará pois Deus é o único juíz. Por fim, ressalto que a Igreja de Cristo não é uma casa de comércio, e não se vai a Igreja para adquiri seu prazer pessoal. O amor é doação e quem ama a Cristo ama sua própria Esposa e se doa para ela. Deus é um anseio e o nosso coração deve amá-lo da mesma forma que ele nos ama e amou ao ponto de dar seu filho para nossa redenção.
Que a paz do Senhor Jesus fique contigo.