26 novembro, 2007

Viver é muito perigoso


Quem sou eu: Apenas uma partícula de existência nesse universo imenso. Sentimentalmente, uma pessoa realizada. Estou sempre de bom humor! Pela graça divina, me esqueço das coisas que para trás ficam e avanço para as que estão diante de mim. Deus é fiel!


Religião: Cristã/protestante.

Paixões: Deus, minha família e meus amigos da igreja.

Livros: A Bíblia.

Música: gospel.

Os dados acima foram compilados e combinados do perfil no Orkut de vários jovens. Em comum, todos eram cheios de energia e de um profundo amor por Jesus. O pretérito é necessário porque eles não estão mais conosco. Todos colocaram um ponto final em sua trajetória terrena nos últimos meses.

Acostumados a fechar os olhos para vários problemas que afligem o rebanho, muita gente fica atônita ao descobrir que todas as semanas alguns jovens evangélicos cometem suicídio. Ao conhecer a trajetória dos que nos deixaram, ficam estarrecidos ao descobrir que o estereótipo de “jovem problema” não se encaixa na maior parte dos casos.

Para quem está longe, a solução é fácil. Basta teorizar que o suicida vai para o inferno, corroborando a opção que Davi fez de se submeter a Deus. Se dependesse das penalidades impostas pelos homens, jamais teria sido usado para compor boa parte das páginas que nos inspiram até hoje.

Aos que vivenciaram essa dor inexprimível, o restante dos dias será permeado por questionamentos temperados com certa dose de culpa.

Ó quão cego eu andei

Geralmente entretidos na área musical da igreja, os jovens nem sempre têm com quem conversar sobre suas angústias mais esconsas. Numa estratégia que combina dessintonia e falta de sensibilidade, os insepultos acampamentos continuam marcados por “sexo oral” em profusão. No caso, palestras e mais palestras sobre o assunto, rep(r)isando o que acontece há várias décadas.

Alas mais radicais defendem teorias obtusas como, por exemplo, que o beijo na boca deve acontecer apenas depois do casamento. Imaginem o exército de profissionais da área de psicologia que será necessário para ajudar futuramente esses casais a desfrutar dos prazeres da “bênção chamada sexo”, como dizia Robinson Cavalcanti na década de 70.

Enquanto drenava minha indignação (mal)digitando estas linhas, soube de mais uma pá de casos de suicídio entre os jovens, vários deles ocorridos em universidades. Simultaneamente, minha caixa postal continuava sendo entupida por SPAM de eventos que vão “impactar a vida” de quem colar por lá. Triste período em que os “lugares altos” perigosamente tornaram-se apenas o ponto escolhido por muitos jovens para o “impacto” final.

Zumbis de Jesus

Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo
Ricardo Reis


No livro
Sobre a Esperança, Frei Betto afirma que “vivemos numa cultura da desgraça”, na qual “as pessoas têm medo da vida, em vez do medo da morte”. Ser íntegro e autêntico é uma decisão que poucos intimoratos tomam quando o patrulhamento é acirrado. O caminho mais confortável é optar por corresponder às expectativas alheias, adotando o que Paul Tournier chama de “persona” e Brennan Manning trata por “impostor”.

Se para alguns esse expediente é rotulado de “vida dupla”, classifico a tática como suicídio do eu verdadeiro. A existência resume-se a uma fastidiosa encenação em lugares marcados no procênio pela expectativa alheia. São meros mortos-vivos que não aquiesceram ao conselho do compositor mineiro e foram incapazes de “abrir o peito à força numa procura”.

A frase de Guimarães Rosa que intitula este texto somente é veraz enquanto as máscaras permanecerem intactas. Que Deus abra nossos olhos e ouvidos para distinguir os gemidos cifrados de tanta gente sofrendo ao nosso redor. Sejam nossos braços abertos um dos sinais visíveis e terapêuticos do amor inaudito e sem reservas do Pai. Hic et hunc.

Texto de Sérgio Pavarini para 2ª Edição da Revista Cristianismo Hoje

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