"Se o céu existe, Deus tem muito o que explicar". Essa afirmação do Robert De Niro faz eco em meu coração. Também experimento o incômodo de deixar Deus sub judice diante do sofrimento humano. Não me conformo diante das injustiças da vida. O argumento de que todos somos maus e em última análise ninguém mereceria ser poupado do mal não me satisfaz. Sou daqueles que acreditam que coisas ruins acontecem às pessoas boas, e acalentam silenciosos uma certa contrariedade quando coisas boas acontecem às pessoas ruins. Acredito, sim, que no mundo existe gente boa e gente ruim. E também acredito que a maioria das pessoas não merece a tragédia que sofre. O casal que perde o filho recém nascido, o adolescente que fica tetraplégico após um displicente mergulho na piscina do clube, a mulher que se vê mutilada pelo câncer, o pai de família que percorre as ruas na indignidade do desemprego e que, por vergonha ou por caráter - ou as duas coisas, não sabe nem mesmo esmolar, são situações cotidianas que me fazem dormir mal, sob o peso do veredicto: Deus tem mesmo muito o que explicar.
A tradição cristã afirma que "Deus prova seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". Quem duvida do amor de Deus deve olhar para o Calvário. No dia em que o sofrimento se agiganta e a visão do amor de Deus fica ofuscada pelas lágrimas da dor quase insuportável, a cruz do Calvário é o grito apaixonado de Deus. John Stott disse que na cruz de Cristo Deus justifica não apenas a humanidade, mas justifica a si mesmo. Na cruz de Cristo, Deus se levanta diante de todos os que o acusam de ser injusto, tirano, indiferente ao sofrimento e à dor humanas, e pronuncia a sentença de inocência sobre si mesmo. A cruz de Cristo é a prova irrefutável do amor de Deus.
Na cruz de Cristo há quatro afirmações que provam o amor e definem a inocência de Deus. Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque se solidariza com as vítimas do mal e da malignidade. Através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, Deus afirma "O mal também me feriu", "O sofrimento chegou também à minha casa", "As lágrimas pelo padecimento injusto também rolam dos meus olhos", "Eu e as vítimas do mal e da malignidade somos um".
Aqueles que imaginam que o Deus que "habita em luz inacessível" vive confortavelmente no ar condicionado do céu enquanto suas criaturas penam contra o diabo na terra do sol, estão absolutamente enganados. Deus tem a cara suja pelas lágrimas que borram seu rosto sofrido com a dor de cada um dos seus filhos por adoção e do seu unigênito. Na cruz de Cristo Deus sofre conosco. Sofre por nós. Sofre em nosso lugar. Deus sabe o que é padecer. Seu Filho é homem de dores. Ovelha muda entre seus sanguinários tosquiadores. Na cruz de Cristo Deus atravessou não apenas o vale da sombra da morte. Atravessou a própria morte.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque não é contato entre os promotores do mal, mas entre os que sofrem os danos da malignidade. Na cruz de Cristo Deus afirma "Não olhem para mim como se eu ordenasse o mal", "Quando estiver sofrendo, não me conte entre os que lhe causam a dor", "Na cruz, eu não batia pregos na mão de ninguém. Na cruz, a mão sob os pregos ferozes era a minha". Quase posso escutar Deus dizendo à mãe que chora a filha atropelada: "Não me tome como quem passou por cima, eu estava em baixo, sendo esmagado sob o peso da borracha negra que me dilacerava a carne e a alma".
Na cruz de Cristo Deus sofre o mal. Na cruz de Cristo Deus é exposto como vítima da malignidade e não como algoz que causa dor e sofrimento. Na cruz de Cristo os verdadeiros promotores da morte são publicamente desmascarados. Cai o pano. E todo mundo pode ver que Deus não está com mãos sujas de sangue inocente. Na cruz de Cristo Deus é a mão inocente que sangra.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque fica evidente que a causa do sofrimento é o pecado da raça humana. Os pecadores estão pensos nas cruzes laterais, mas a cruz do meio sustém um inocente. Na cruz de Cristo Deus afirma: "Vocês deflagraram o mal", "Vocês abriram a caixa de Pandora", "Vocês soltaram a besta fera", "Vocês macularam o Paraíso". O aviso ainda ecoa pelo universo: "No dia em que pecar, certamente morrerás". A presença da morte é evidência de pecado. E o pecado é responsabilidade da raça. A cruz de Cristo somente se explica porque o pecado a faz necessária. Naquele dia em que Deus provava seu amor para conosco éramos de fato ainda pecadores.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque é o que morre, e não o que mata. Na cruz de Cristo pende o justo morrendo a morte dos injustos. O veredicto está lançado: há pecado, pois que haja morte. O salário do pecado é a morte, disse o apóstolo. A justiça do Deus três vezes santo há que ser satisfeita. Deus está diante de seu dilema eterno: matar ou morrer. E sua opção é definitiva, desde antes da criação do mundo: morrer. Na cruz de Cristo Deus faz sua escolha e anuncia sua disposição de amor absoluto: se alguém tem que morrer para que a justiça volte a brilhar no universo maculado pela culpa da raça humana, que viva a raça e que morra eu-Eu.
O primeiro dos dilemas é criar ou não criar. O segundo é criar com liberdade ou sem liberdade. O terceiro é assumir o ônus da liberdade ou deixar este ônus nas mãos da criatura. Deus faz as escolhas que o machucam, que lhe causam dor, que o fazem sofrer, que o diminuem. Simone Weil diz que "Deus e todas as suas criaturas é menos do que Deus sozinho". Deus escolhe criar. Escolhe criar um ser livre, pois não fosse livre não seria à imagem do Criador. E escolhe arcar com ônus da liberdade que concede à sua criatura. Na cruz de Cristo está Deus, dando ao rebelde o direito de existir. Na cruz de Cristo está Deus entregando a sua vida, voluntariamente, em favor dos pecadores. O mal deflagrado pela raça levanta sua sombra sobre o trono de Deus. E Deus se levanta como um Cordeiro que se doa, pois escolhera morrer, em detrimento de matar. Na cruz de Cristo está o Deus que morre para que todos tenham vida, vida completa, abundante vida.
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