31 outubro, 2007

Sobre Deus...

Era uma vez um velhinho simpático que morava numa casa cercada de jardins. O velhinho amava os seus jardins e cuidava deles pessoalmente. Na verdade fora ele que pessoalmente o plantara - flores de todos os tipos, árvores frutíferas das mais variadas espécies, fontes, cachoeiras, lagos cheios de peixes, patos, gansos, garças. Os pássaros amavam o jardim, faziam seus ninhos em suas árvores e comiam dos seus frutos. As borboletas e abelhas iam de flor em flor, enchendo o espaço com as suas danças. Tão bom era o velhinho que o seu jardim era aberto a todos: crianças, velhos, namorados, adultos cansados. Todos podiam comer de suas frutas e nadar nos seus lagos de águas cristalinas. O jardim do velhinho era um verdadeiro paraíso, um lugar de felicidade. O velhinho amava a todas as criaturas e havia sempre um sorriso manso no seu rosto. Prestando-se um pouco de atenção era possível ver que havia profundas cicatrizes nas mãos e nas pernas do velhinho. Contava-se que, certa vez, vendo uma criança sendo atacada por um cão feroz, o velhinho, para salvar a criança, lutou com o cão e foi nessa luta que ele ganhou suas cicatrizes. Os fundos do terreno da casa do velhinho davam para um bosque misterioso que se transformava numa mata. Era diferente do jardim, porque a mata, não tocada pelas mãos do velhinho, crescera selvagem como crescem todas as matas. O velhinho achava as matas selvagens tão belas quanto os jardins. Quando o sol se punha e a noite descia, o velhinho tinha um hábito que a todos intrigava: ele se embrenhava pela mata e desaparecia, só voltando para o seu jardim quando o sol nascia. Ninguém sabia direito o que ele fazia na mata e estranhos rumores começaram a circular. Os seres humanos têm sempre uma tendência para imaginar coisas sinistras. Começaram, então, a espalhar o boato de que o velhinho, quando a noite caía, se transformava num ser monstruoso, parecido com lobisomem, e que na floresta existia uma caverna profunda onde o velhinho mantinha, acorrentadas, pessoas de quem ele não gostava, e que o seu prazer era torturá-las com lâminas afiadas e ferros em brasa. Lá - assim corria o boato - o velhinho babava de prazer vendo o sofrimento dos seus prisioneiros.

Outros diziam, ao contrário, que não era nada disto. Não havia nem caverna, nem prisioneiros e nem torturas. Essas coisas existiam mesmo era só na imaginação de pessoas malvadas que inventavam os boatos. O que acontecia era que o velhinho era um místico que amava as florestas e ele entrava no seu escuro para ficar em silêncio, em comunhão com o mistério do universo. Quem era o velhinho, na realidade? Você decide. Sua decisão será um reflexo do seu coração.

Rubem Alves

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