08 junho, 2012

Na frente do Espelho

No espelho, olhos nos olhos, reconheço três inimigos em minha alma. Eu os encaro, mas sei: há tempo eles me espreitam desde as esquinas das madrugadas insones. Crio coragem para chamar os três adversários pelo nome: fracasso, impotência e culpa.

Fracasso é sentimento, não constatação. Não é necessária qualquer derrota para alguém se sentir fracassado. Portanto, sentimento de fracasso vem com o destreino de lidar com inadequações. Depois de décadas absorvendo um discurso de perfeição, sofro desse sentimento. A minha fraqueza parece maior do que realmente é. Sem ter acertado alvos, o peso de incontáveis erros agride. Demandas religiosas, familiares ou sociais deixam qualquer um arfando. A fadiga de ter que dissimular inaptidões sulca rugas profundas.

Continuo calouro, desafino a melodia da vida. Piso na bola. Perco belos gols a poucos metros da trave. Se me entrevistarem sobre convicções, sei, vou gaguejar. Faço meu caminho, mas tropeço nos cadarços soltos. Obrigado a ouvir todos os dias um discurso de perfeição, arquejo. Não galguei os degraus da piedade.
Sobram pregadores da culpa, especialistas em conscientizar qualquer um sobre as exigências divinas. Só agora entendo as pessoas que frequentam alguma religião porque gostam de se constrangerem com suas imperfeições.

Diante do espelho, despedaço o ícone que tentaram fazer de mim. Não alimento o mito. Aconselho a alma a permanecer comum. Lembro a mim mesmo que nenhuma máscara pode ficar grudada na cara quando eu estiver só.

Os anos passaram. Agora, mais do que nunca, vejo-me obrigado a admitir impotência. E a me despir do desempenho dos ungidos – ainda não aprendi a decretar milagre com a eficiência de muitos sacerdotes.

Depois de anos lidando com manifestações de poder espiritual, quero fugir da tentação de encabrestar o próximo. Depois que falei, preguei e ensinei tenho que admitir: os meus argumentos não passavam de discurso. Para muitos, falhei em convencer.

Vai chegando ao fim a minha alucinação de inteligência. Que bobagem imaginar-me genial. Nada me chegou fácil. Aprendi devagar. Continuo esquecendo o que decoro. Saber muito nunca me ajudou na perspicácia. Fui bronco na hora de antecipar incidentes. E não soube proteger as costas das conspirações armadas para me destruir. Não intui o desenrolar dos fatos mais cruéis.

Ensinaram que erros passados voltam como bumerangue. Eu sei: o objetivo da ameaça é manter as pessoas boas. Mas, se transgredi a lei e ofendi a Divindade, suspeito que alguns consideram a minha grave punição. Também me ensinaram: “se a maldade dos outros for grande, saiba, você é pior; quanto mais cabisbaixo você andar, maior será sua disposição de penitenciar-se; e quanto maior a penitência, mais alegria no céu”.  Hoje desconfio desse discurso.

Depois que admito fracasso, impotência e culpa, faço as pazes comigo mesmo na solidão do espelho. Pergunto sozinho: quem subiu o sarrafo tão alto? De onde veio a possibilidade de controlar as variáveis da existência? Qual o sentido terapêutico da culpa? Autocomiseração serve a quais interesses?

Não preciso desempenhar para ser aceito – quem mente para si mesmo nunca será livre. Não quero ser perfeito – despistar sentimento só apequena a vida.

Ergo a cabeça. Meu valor não depende de cumprir roteiros alheios. Pisoteio o sentimento de fracasso. Procuro desdenhar os acenos da vaidade. Faço de tudo para transformar a culpa em aliada.

Soli Deo Gloria 

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