30 maio, 2012

Por que a vida é breve

Porque a vida é breve me deixo atrair pelo insólito. E com ele, desperto a coragem de correr riscos. Cito Rubem Alves: “Os homens buscam a segurança para fugir da morte. Eles não sabem que a segurança é a morte em vida”. Noto os dias desaparecerem em nacos semanais. As semanas se diluem em meses. Os meses se esfarelam em anos. E os anos se acabam nas décadas. Inconformado com a ladeira do tempo, não permito que a vida despenque em direção ao nada. Se o relógio acelera na loucura do dia a dia, canto com Lenine:

“Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa

A vida é tão rara….”

Porque a vida é breve crio coragem de visitar o passado. Revejo a Gentilândia com todos os meus amigos. Olho para a professorinha de matemática. Pobre mulher, se esforçou muito para que eu aprendesse equação de segundo grau! Mas eu só tinha olhos para a geometria do seu corpo. Enlaço a eternidade para reviver aqueles tempos verdes, inocentes.

Porque a vida é breve tenho ganas de recuperar os livros que nunca me interessei. Diferencio a boa e a má literatura. Redescubro Machado de Assis; e guardo uma lição de Memórias Póstumas de Brás Cubas: a hipocrisia social, de tão avassaladora, só permite honestidade se escrevermos nossa biografia depois de mortos. Sorvo a sabedoria de outros autores. Gente com a genialidade de Graciliano Ramos (o velho Graça) ensina que miséria condena as pessoas a viverem como cadelas – a Baleia, de Vidas Secas. Leio e releio Fernando Pessoa, meu poeta predileto. Em sua angústia existencial, sinto-me convidado a enfrentar as minhas inquietações, mesmo correndo o risco de gerar desespero mais intenso.

Porque a vida é breve intensifico meu amor pela Silvia Geruza, minha mulher. Partilho sonhos com o Villy, meu genro. Peço a Deus boa saúde para acompanhar o crescimento do Naran, do Felipe e da Gabriela, meus netos. Celebro semelhanças e diferenças entre Carolina, Cynthia e Pedro, meus três filhos.

Porque a vida é breve mantenho a disciplina de correr. Suo até ensopar camiseta, calção e tênis. Mesmo anônimo entre milhares, repito a emoção de me sentir um vencedor nas maratonas.

Porque a vida é breve reverencio aqueles que me anteciparam na eternidade. Eu ainda os amo com a dor de uma saudade intermitente. Zelo pela carteira de atleta do papai quando jogava no Corinthians. Decoro a parede de meu escritório com o poema triste que mamãe escreveu, e imprimiu do tamanho de um pôster. Guardo o olhar paradoxalmente forte e melancólico da mulher que me amamentou.

Porque a vida é breve aprendo o paladar do vinho. Provo novos pratos. Escuto música prenhe de poesia. Aguardo os dias de lua imponente. Cheiro meu travesseiro; e, no quarto, sussurro: “sou rei deste espaço inviolável”.

Porque a vida é breve busco entender o que é íntegridade. Anseio me manter fiel ao amigo e bom com o desconhecido. Tento ser terno com os tropeços alheios. Enfrento a injustiça. Saúdo os pacificadores – eles têm o privilégio de serem chamados filhos de Deus.

Porque a vida é breve carrego uma aljava no coração. Guardo nela, coisas que embelezam os meus olhos: a delicadeza das flores, a leveza dos colibris, a folia dos golfinhos, a calma do jabuti, a imponência dos carvalhos e a valsa das marés.

Porque a vida é breve antecipo o momento em que hei de cerrar os olhos. Para aquele derradeiro instante, anelo acreditar que meus piores inimigos serão discretos – que suspirem um simples “Foi-se, então?” ao receberem a notícia fatal. Desejo partir tendo meus filhos do lado. Sei que o olhar amoroso, e sempre perdoador, de minha mulher me dará coragem para atravessar o temido rio.

Porque a vida é breve reafirmo que, tanto na beleza como na crueldade da história, sou crente. Eu creio na vida.

Soli Deo Gloria

Ricardo Gondim

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