Porque a vida é breve me deixo atrair pelo insólito.
E com ele, desperto a coragem de correr riscos. Cito Rubem Alves: “Os
homens buscam a segurança para fugir da morte. Eles não sabem que a
segurança é a morte em vida”. Noto os dias desaparecerem em nacos
semanais. As semanas se diluem em meses. Os meses se esfarelam em anos. E
os anos se acabam nas décadas. Inconformado com a ladeira do tempo, não
permito que a vida despenque em direção ao nada. Se o relógio acelera
na loucura do dia a dia, canto com Lenine:
“Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara….”
Porque a vida é breve crio coragem de visitar o
passado. Revejo a Gentilândia com todos os meus amigos. Olho para a
professorinha de matemática. Pobre mulher, se esforçou muito para que eu
aprendesse equação de segundo grau! Mas eu só tinha olhos para a
geometria do seu corpo. Enlaço a eternidade para reviver aqueles tempos
verdes, inocentes.
Porque a vida é breve tenho ganas de recuperar os
livros que nunca me interessei. Diferencio a boa e a má literatura.
Redescubro Machado de Assis; e guardo uma lição de Memórias Póstumas de
Brás Cubas: a hipocrisia social, de tão avassaladora, só permite
honestidade se escrevermos nossa biografia depois de mortos. Sorvo a
sabedoria de outros autores. Gente com a genialidade de Graciliano Ramos
(o velho Graça) ensina que miséria condena as pessoas a viverem como
cadelas – a Baleia, de Vidas Secas. Leio e releio Fernando
Pessoa, meu poeta predileto. Em sua angústia existencial, sinto-me
convidado a enfrentar as minhas inquietações, mesmo correndo o risco de
gerar desespero mais intenso.
Porque a vida é breve intensifico meu amor pela
Silvia Geruza, minha mulher. Partilho sonhos com o Villy, meu genro.
Peço a Deus boa saúde para acompanhar o crescimento do Naran, do Felipe e
da Gabriela, meus netos. Celebro semelhanças e diferenças entre
Carolina, Cynthia e Pedro, meus três filhos.
Porque a vida é breve mantenho a disciplina de
correr. Suo até ensopar camiseta, calção e tênis. Mesmo anônimo entre
milhares, repito a emoção de me sentir um vencedor nas maratonas.
Porque a vida é breve reverencio aqueles que me
anteciparam na eternidade. Eu ainda os amo com a dor de uma saudade
intermitente. Zelo pela carteira de atleta do papai quando jogava no
Corinthians. Decoro a parede de meu escritório com o poema triste que
mamãe escreveu, e imprimiu do tamanho de um pôster. Guardo o olhar
paradoxalmente forte e melancólico da mulher que me amamentou.
Porque a vida é breve aprendo o paladar do vinho.
Provo novos pratos. Escuto música prenhe de poesia. Aguardo os dias de
lua imponente. Cheiro meu travesseiro; e, no quarto, sussurro: “sou rei
deste espaço inviolável”.
Porque a vida é breve busco entender o que é
íntegridade. Anseio me manter fiel ao amigo e bom com o desconhecido.
Tento ser terno com os tropeços alheios. Enfrento a injustiça. Saúdo os
pacificadores – eles têm o privilégio de serem chamados filhos de Deus.
Porque a vida é breve carrego uma aljava no coração.
Guardo nela, coisas que embelezam os meus olhos: a delicadeza das
flores, a leveza dos colibris, a folia dos golfinhos, a calma do jabuti,
a imponência dos carvalhos e a valsa das marés.
Porque a vida é breve antecipo o momento em que hei
de cerrar os olhos. Para aquele derradeiro instante, anelo acreditar que
meus piores inimigos serão discretos – que suspirem um simples “Foi-se, então?”
ao receberem a notícia fatal. Desejo partir tendo meus filhos do lado.
Sei que o olhar amoroso, e sempre perdoador, de minha mulher me dará
coragem para atravessar o temido rio.
Porque a vida é breve reafirmo que, tanto na beleza como na crueldade da história, sou crente. Eu creio na vida.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim
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