11 maio, 2010

Despedida...

O sol estava se pondo. O por-de-sol a fez lembrar-se do seu pai. Ela começou a falar. Ele estava muito enfermo, mortalmente enfermo e sabia disso. Ela abandonou o seu trabalho para estar com ele. E conversavam sobre a morte próxima. Tranquilamente. Disse-me que a hora que seu pai mais amava era o crepúsculo. Desde menina. Ele se assentava com ela e ia mostrando a beleza das nuvens incendiadas, a progressiva e rápida sucessão das cores, azul, verde, amarelo, abóbora, vermelho, roxo... À medida em que o tempo passava ele ficava cada vez mais fraco. Fraco, queria sempre ver o por-de-sol. Um homem a morrer é um sol a se por. Numa dessas tardes ela não conseguiu conter as lágrimas. Chorou. Ele a abraçou e colocou seu dedo sobre os seus lábios. “Não quero que você chore...” E apontando para o sol que se punha disse: “Eu estarei lá...” Sei que não reproduzi com fidelidade o que ela me disse. O seu relato foi imensamente mais rico, cheio de detalhes, de saudade, de tristeza e de beleza. Por isso eu lhe peço perdão. Mas senti que ela era agradecida pelo tempo que passou com o pai. A morte cria uma intimidade que é impossível em outras situações. E contou-me também de uma orquídea que silenciosamente acompanhou esses momentos de despedida. A orquídea, depois que seu pai partiu para o por-de-sol, se recusou a parar de florir...Será que as pessoas queridas que partem continuam a morar no perfume das flores? É possível...

Rubem Alves

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