10 julho, 2009

Bastaria a morte

Bastaria a morte e tudo estaria resolvido, mas Deus escolhe uma solução mais complicada e exigente. Na expulsão do Paraíso o Protagonista ao mesmo tempo adia a resolução do conflito e o reconhece, porém permanece impulsionado por ele.

O protagonista não precisava de nada, mas agora precisa conviver com o conflito. A fim de ao mesmo tempo proteger-se dele e mantê-lo heroicamente diante dos seus olhos, Deus transforma seu conflito numa instituição.

A expulsão significa que Deus não quer mais mostrar a sua glória, porque a transgressão humana, reflexo da divina, deixou inteiramente manifestas as complicações da autonomia. Em regime paralelo, o homem terá de ocultar sua própria glória, até que encontre um modo de administrar a sua autonomia.

O problema com o poder é que ele tem duas faces; uma é ensolarada e generosa e boa, outra é mesquinha e cruel e perversa. Diante da abundância da escolha, Deus escolhe algo criativo e bom; diante da abundância da escolha, o Homem escolhe algo injusto e prejudicial. Porém o nó está em que a liberdade humana permanece fruto rigoroso da liberdade divina: no devido tempo, em três parágrafos ou trinta anos, o poder acaba gerando a morte e a esterilidade. Isso deve-se menos às escolhas que fazemos do que à natureza corruptora do poder em si; é por isso que a glória deve ser escondida de imediato, em regime de absoluta emergência.

Na raiz mais essencial desta história, então, está o pressuposto de que toda manifestação de poder, todo exercício de autonomia, por mais bem intencionado que seja e mesmo que parta do mais iluminado dos empreendedores, envolve perigos terríveis e aparentemente incontornáveis. O poder torna-se motivo de embaraço tanto para quem faz escolhas generosas quanto para quem as faz perversas.

O coração do problema não está na diferença entre escolhas, mas na natureza ambivalente do poder.

Paulo Brabo

Nenhum comentário: