16 março, 2009

Sobre dúvidas e certezas...

Cliquei o botão do controle remoto da televisão e me vi dentro de um enorme templo, completamente lotado. O programa se chamava, se não me engano, O culto em sua casa. O pregador dizia aos fiéis: “A dúvida é a principal arma do diabo”. Ele não teve coragem de dizer tudo o que essa afirmação piedosa contém. Se ele está no púlpito, lugar sagrado, deve ser bispo ou missionário. Sendo bispo ou missionário, tem acesso privilegiado a Jesus: o Peixe Dourado lhe revelou pessoalmente os mistérios do Mar... Fala diariamente com Jesus. Segue-se que aquilo que ele fala são as palavras de Jesus. Assim, se alguém tem dúvidas sobre o que ele diz, está duvidando de Jesus. Conclusão: quem duvida do que ele diz está enredado nas artimanhas do diabo... Penso o contrário: que as convicções são as principais armas do diabo. As maiores atrocidades da história da humanidade, religiosas e políticas, foram cometidas por pessoas que não tinham dúvidas sobre a verdade dos seus pensamentos. As pessoas que duvidam, ao contrário, são tolerantes. Sabem que o que pensam não é a verdade. Seus pensamentos não passam de “palpites”. Por isso ouvem o que os outros têm a dizer, pois pode ser que a verdade esteja com eles... As religiões ocidentais, o Cristianismo e o Islamismo, se construíram sobre certezas. Sempre tiveram medo da dúvida. Sobre os que duvidavam, colocaram a ameaça das fogueiras ou do inferno. E isso deixou marcas tão profundas nas pessoas religiosas que, ainda hoje, elas têm medo de duvidar. O que significa: elas têm medo de pensar. Contentam-se em repetir o que lhes foi dito. Porque é com a dúvida que o pensamento se inicia. Mas eu não respeitaria um Deus que, havendo nos dado asas nos proibisse de voar. Contra o autoritarismo das certezas só há um remédio: o humor. Como o filme Deus é brasileiro. Deus, cansado de ser Deus, resolveu tirar umas férias. Viajaria por uma outra galáxia. Mas teria de deixar uma outra pessoa no seu lugar, durante a sua ausência. Lá de cima escolheu o homem que mais competência teria para assumir suas funções. Assim, baixou sobre essa terra e pôs-se a procurá-lo. Depois de muitos desencontros, finalmente o encontrou. Sua busca havia chegado ao fim! Poderia iniciar suas férias! Que nada! O dito homem que ele escolhera era ateu. Acontece conosco o que acontece com os galos. Quer o galo cante, quer não cante, o sol sempre aparece... Assim, podemos cantar ou não cantar, desafinar ou inventar um canto dodecafônico, o Sol nem liga. Como diz a Cecília: “Foi, desde sempre, o Mar”, indiferente ao que pensamos...

Rubem Alves

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