18 setembro, 2008

Quando olho tempo suficiente

Quando olho tempo suficiente para a serpente, a ponto de concluir que ela é uma verdadeira ameaça para mim e meus amigos, a própria serpente me percebe e parte sem qualquer intervalo para o ataque. Ela sabe que assim que noto sua presença não sou mais imune à sua picada: tornei-me sua presa imediata e potencial.

Pressionado inequivocamente pelo conflito desta minha narrativa, tudo que posso fazer é apertar a própria serpente pelo pescoço, na intenção de me proteger, e levantar-me do lugar a fim de levá-la para longe, na intenção de proteger meus amigos.

No momento seguinte, enquanto passo por eles com o bicho enfurecido nas mãos, meus amigos olham-me aterrorizados e esforçam-se para manter-se a uma distância segura de mim.

Não devo supor que estão com medo da ameaça da qual tento protegê-los, porque são inteiramente incapazes de percebê-la. O que os aterroriza é que eu, seu companheiro e seu cúmplice, levantei-me do meu devido lugar e apontei o perigo. Quando escolho que o risco vale abandonar a indiferenciação do grupo, tomo o primeiro passo no sentido de tornar-me um indivíduo – e isso os apavora.

Minha iniciativa, motivada pelo minha preocupação com a integridade do grupo, transformou-me aos olhos deles numa ameaça e numa abominação.

Paulo Brabo

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