Mulheres podem ser competentes, vitoriosas no mercado de trabalho ou portar-se como homens na dureza emocional da liderança – mas ainda são cobradas como se tivessem de ser a própria virgem aparecida
Até hoje, sinto vergonha de um episódio ocorrido dois anos atrás. E a sinto com aquela vergonha de intelectualóide de esquerda, educada para militar e não para ser gente, ensinada a não ceder ao considerado medíocre – e principalmente, na minha cultura familiar específica, a nunca ser melodramática ou, pior ainda, vulnerável. Acontece que, numa das minhas viagens a serviço da obra missionária, estive na Holanda, nação da Europa Ocidental conhecida mundialmente por sua liberalidade em quase tudo. Não sei se é devido ao fato de que lá, o surrado lema “é proibido proibir” ainda está tão em voga, mas parece que a própria atmosfera permissiva do país faz a solidão humana parecer ainda mais intensa.
Mãe de três filhos ainda pequenos, eu me impus a mim mesma a obrigação de nunca se afastar de casa por mais de dez dias a cada mês. É claro que nem sempre consegui cumprir esta regra auto-ditada nos últimos quatro anos... Mas que tentei, tentei. E depois de algumas semanas discutindo os rumos do Evangelho no mundo, até as briguinhas entre os filhos, que enlouquecem tantas mães, já me faziam falta. Já no avião, diante da perspectiva das longas horas de vôo, ocorreu-me a idéia de ler alguma novelinha adolescente, destas em que a princesa tem um pescoço de alabastro e o príncipe é sempre lindo e de muito caráter. Conhecia estas novelinhas, leitura de algumas amigas da adolescência, e apesar de desprezar-lhes a pobreza do texto, a repetição dos temas água com açúcar, consegui comprar um exemplar num aeroporto qualquer da Europa.
Carente como estava, a leitura rápida sobre as princesas e seus príncipes encantados sem qualquer densidade psicológica me fez chorar estupidamente, que nem madrinha de casamento, em pleno vôo. Em algum momento da viagem, já recomposta, voltei-me para falar de Jesus à passageira ao meu lado. A senhora me olhou de cima abaixo com uma cara de ovo, como se pensasse: “Lendo livros Harlequim, chorando igual a uma idiota, e ainda quer me falar de religião?” Não deixo de dar razão àquela mulher que me encontrou num momento tão vulnerável.
No entanto, a aventura levou-me a refletir sobre os rumos da identidade da mulher moderna. Roubada do direito de ser mulher, ela ainda é obrigada a representar papéis medievais. Há pouco tempo, a mulher do governador de Nova Iorque, nos Estados Unidos, protagonizou uma cena patética. Um dia antes, seu marido fora obrigado a renunciar ao cargo depois de ser denunciado como cliente assíduo de uma rede de prostituição de luxo. Sua esposa colocou-se ao seu lado, aparentando uma dignidade estóica, enquanto ele, em rede nacional, pedia perdão ao estado que governara e ao país por seu comportamento promíscuo, no mínimo embaraçoso para um político de seu porte.
A pobre mulher traída, de cabelos armados, seguiu o mesmo script traçado uma década antes por outra personalidade da vida americana, a senadora Hillary Clinton, que agora mesmo concorre à indicação de seu partido para ser candidata à presidência dos Estados Unidos. Durante a pior fase do governo de Bill Clinton, seu marido, que ocupou a Casa Branca por oito anos, Hillary também esteve a seu lado. Depois de se envolver em atos para lá de libidinosos com uma estagiária em plena sede do governo, Clinton passou pelo vexame de discutir, nos tribunais, se as “relações inadequadas” –que manteve com Monica Lewinsky – constituíam ou não um ato sexual. Com a intimidade exposta ao mundo a sob o risco de perder o mandato por ter mentido, negando o fato, restou a Clinton uma retratação pública. Hillary, ao seu lado, não movia um músculo sequer. Ela não exibiu nenhuma expressão de constrangimento, raiva, desapontamento, o que fosse. Nada. Simplesmente, postou-se ao lado do marido confidente como uma estátua de cera.
Este altruísmo todo lhe valeu o cargo de senadora e hoje a corrida à candidatura à presidência, porque, afinal de contas, “tudo é como dantes no castelo de abrantes”. Mulheres podem ser competentes, vitoriosas no mercado de trabalho ou portar-se como homens na dureza emocional e no racionalismo de suas lideranças – ainda são cobradas como se fossem a virgem aparecida, a mãe da casa e guardiã da moral, mas só celebradas no papel de Marylin Monroe.
A máscara que lhes impõe a sociedade é tão impenetrável quanto aquelas burcas que as afegãs são obrigadas a usar. Não é dado a estas mulheres públicas o direito de serem mulheres nem diante da maior das dores de rejeição: o adultério contumaz, a adição sexual de seus homens viciados em poder.
Não é dado à mulher que “compete com homens” na vida pública ou na empresa o direito ao ridículo da paixão. Quem não se lembra do folhetim da vida real protagonizado pela ex-ministra Zélia Cardoso de Melo e um figurão da República, nos anos Collor? Hoje, não é dado à ministra Dilma Roussef sequer o direito de emagrecer. É manobra eleitoral, dizem as más línguas, já de olho numa possível candidatura feminina ao Planalto, em 2010, e como se uns quilinhos extras fossem assunto de Estado presente ou futuro. Mesmo quando uma mulher brilhante chega ao topo da carreira judiciária, sua beleza se transforma em mérito profissional, como no caso da ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Hellen Gracie.
Não há como não se dividir diante de elementos tão paradoxais. A mulher liberada, que alcançou seu espaço social, político e econômico – essa mesma mulher que, de terninho Channel e corte de cabelo curto, dita até políticas nacionais –, encontra-se cada vez mais nua, mais objetificada sexualmente, mas ao mesmo tempo, cada vez mais obrigada a se esconder emocionalmente debaixo das burcas que lhe vestem à força. Mulheres assim não podem ser femininas; devem se contentar ao desempenho de seu papel anógino. Parecem um quadro de Dali ou uma insuportável festa funk-rock-eletro, que parecem tudo e não parecem nada. Parem o mundo que eu quero descer! Prefiro ficar com minhas heroínas da adolescência, aquelas de pescoço de alabastro. Elas, pelo menos, sabiam quem eram.
Mesmo no segmento cristão, uma mulher em reunião de líderes homens ainda é um ser meio anômalo, fora de lugar. Ao me vestir para eventos com maioria masculina, não sei se ponho uma roupa feminina e corro o risco de ser muito mulher e causar constrangimentos, ou escolho terninho estilo político para ficar mais parecida com os “caras”, ao preço de ter que me masculinizar para obter espaço. Muito raramente, algum colega de trabalho vai reconhecer-me como mulher, para se proteger, quem sabe, ou evitar as típicas condescendências no tratamento de homens com o sexo frágil.
Existe um ser mulher que vai além do sexo, além do perigo da sedução – é o ser mulher que completa o amor de Deus demonstrado através dos homens, com o divino papel de ser mãe, de acolher, de conceder um afago emocional e uma ternura que só a mulher, em sua amplitude feminina pode demonstrar. E tal expressão feminina não está ultrapassada, e nunca se tornará secundária e nem dispensável. Ela é parte essencial para revelar a expressão de Deus completa através de seu Corpo na Terra. Igreja, não se esqueçam, é substantivo feminino...
Bráulia Inês Ribeiro
está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)
Até hoje, sinto vergonha de um episódio ocorrido dois anos atrás. E a sinto com aquela vergonha de intelectualóide de esquerda, educada para militar e não para ser gente, ensinada a não ceder ao considerado medíocre – e principalmente, na minha cultura familiar específica, a nunca ser melodramática ou, pior ainda, vulnerável. Acontece que, numa das minhas viagens a serviço da obra missionária, estive na Holanda, nação da Europa Ocidental conhecida mundialmente por sua liberalidade em quase tudo. Não sei se é devido ao fato de que lá, o surrado lema “é proibido proibir” ainda está tão em voga, mas parece que a própria atmosfera permissiva do país faz a solidão humana parecer ainda mais intensa.
Mãe de três filhos ainda pequenos, eu me impus a mim mesma a obrigação de nunca se afastar de casa por mais de dez dias a cada mês. É claro que nem sempre consegui cumprir esta regra auto-ditada nos últimos quatro anos... Mas que tentei, tentei. E depois de algumas semanas discutindo os rumos do Evangelho no mundo, até as briguinhas entre os filhos, que enlouquecem tantas mães, já me faziam falta. Já no avião, diante da perspectiva das longas horas de vôo, ocorreu-me a idéia de ler alguma novelinha adolescente, destas em que a princesa tem um pescoço de alabastro e o príncipe é sempre lindo e de muito caráter. Conhecia estas novelinhas, leitura de algumas amigas da adolescência, e apesar de desprezar-lhes a pobreza do texto, a repetição dos temas água com açúcar, consegui comprar um exemplar num aeroporto qualquer da Europa.
Carente como estava, a leitura rápida sobre as princesas e seus príncipes encantados sem qualquer densidade psicológica me fez chorar estupidamente, que nem madrinha de casamento, em pleno vôo. Em algum momento da viagem, já recomposta, voltei-me para falar de Jesus à passageira ao meu lado. A senhora me olhou de cima abaixo com uma cara de ovo, como se pensasse: “Lendo livros Harlequim, chorando igual a uma idiota, e ainda quer me falar de religião?” Não deixo de dar razão àquela mulher que me encontrou num momento tão vulnerável.
No entanto, a aventura levou-me a refletir sobre os rumos da identidade da mulher moderna. Roubada do direito de ser mulher, ela ainda é obrigada a representar papéis medievais. Há pouco tempo, a mulher do governador de Nova Iorque, nos Estados Unidos, protagonizou uma cena patética. Um dia antes, seu marido fora obrigado a renunciar ao cargo depois de ser denunciado como cliente assíduo de uma rede de prostituição de luxo. Sua esposa colocou-se ao seu lado, aparentando uma dignidade estóica, enquanto ele, em rede nacional, pedia perdão ao estado que governara e ao país por seu comportamento promíscuo, no mínimo embaraçoso para um político de seu porte.
A pobre mulher traída, de cabelos armados, seguiu o mesmo script traçado uma década antes por outra personalidade da vida americana, a senadora Hillary Clinton, que agora mesmo concorre à indicação de seu partido para ser candidata à presidência dos Estados Unidos. Durante a pior fase do governo de Bill Clinton, seu marido, que ocupou a Casa Branca por oito anos, Hillary também esteve a seu lado. Depois de se envolver em atos para lá de libidinosos com uma estagiária em plena sede do governo, Clinton passou pelo vexame de discutir, nos tribunais, se as “relações inadequadas” –que manteve com Monica Lewinsky – constituíam ou não um ato sexual. Com a intimidade exposta ao mundo a sob o risco de perder o mandato por ter mentido, negando o fato, restou a Clinton uma retratação pública. Hillary, ao seu lado, não movia um músculo sequer. Ela não exibiu nenhuma expressão de constrangimento, raiva, desapontamento, o que fosse. Nada. Simplesmente, postou-se ao lado do marido confidente como uma estátua de cera.
Este altruísmo todo lhe valeu o cargo de senadora e hoje a corrida à candidatura à presidência, porque, afinal de contas, “tudo é como dantes no castelo de abrantes”. Mulheres podem ser competentes, vitoriosas no mercado de trabalho ou portar-se como homens na dureza emocional e no racionalismo de suas lideranças – ainda são cobradas como se fossem a virgem aparecida, a mãe da casa e guardiã da moral, mas só celebradas no papel de Marylin Monroe.
A máscara que lhes impõe a sociedade é tão impenetrável quanto aquelas burcas que as afegãs são obrigadas a usar. Não é dado a estas mulheres públicas o direito de serem mulheres nem diante da maior das dores de rejeição: o adultério contumaz, a adição sexual de seus homens viciados em poder.
Não é dado à mulher que “compete com homens” na vida pública ou na empresa o direito ao ridículo da paixão. Quem não se lembra do folhetim da vida real protagonizado pela ex-ministra Zélia Cardoso de Melo e um figurão da República, nos anos Collor? Hoje, não é dado à ministra Dilma Roussef sequer o direito de emagrecer. É manobra eleitoral, dizem as más línguas, já de olho numa possível candidatura feminina ao Planalto, em 2010, e como se uns quilinhos extras fossem assunto de Estado presente ou futuro. Mesmo quando uma mulher brilhante chega ao topo da carreira judiciária, sua beleza se transforma em mérito profissional, como no caso da ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Hellen Gracie.
Não há como não se dividir diante de elementos tão paradoxais. A mulher liberada, que alcançou seu espaço social, político e econômico – essa mesma mulher que, de terninho Channel e corte de cabelo curto, dita até políticas nacionais –, encontra-se cada vez mais nua, mais objetificada sexualmente, mas ao mesmo tempo, cada vez mais obrigada a se esconder emocionalmente debaixo das burcas que lhe vestem à força. Mulheres assim não podem ser femininas; devem se contentar ao desempenho de seu papel anógino. Parecem um quadro de Dali ou uma insuportável festa funk-rock-eletro, que parecem tudo e não parecem nada. Parem o mundo que eu quero descer! Prefiro ficar com minhas heroínas da adolescência, aquelas de pescoço de alabastro. Elas, pelo menos, sabiam quem eram.
Mesmo no segmento cristão, uma mulher em reunião de líderes homens ainda é um ser meio anômalo, fora de lugar. Ao me vestir para eventos com maioria masculina, não sei se ponho uma roupa feminina e corro o risco de ser muito mulher e causar constrangimentos, ou escolho terninho estilo político para ficar mais parecida com os “caras”, ao preço de ter que me masculinizar para obter espaço. Muito raramente, algum colega de trabalho vai reconhecer-me como mulher, para se proteger, quem sabe, ou evitar as típicas condescendências no tratamento de homens com o sexo frágil.
Existe um ser mulher que vai além do sexo, além do perigo da sedução – é o ser mulher que completa o amor de Deus demonstrado através dos homens, com o divino papel de ser mãe, de acolher, de conceder um afago emocional e uma ternura que só a mulher, em sua amplitude feminina pode demonstrar. E tal expressão feminina não está ultrapassada, e nunca se tornará secundária e nem dispensável. Ela é parte essencial para revelar a expressão de Deus completa através de seu Corpo na Terra. Igreja, não se esqueçam, é substantivo feminino...
Bráulia Inês Ribeiro
está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)
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