01 abril, 2008

A iminente (e prejudicial?) volta de Cristo

O advento do Salvador proporciona uma esperança escapista. Quando esperamos Cristo para logo, podemos olhar ao redor com um senso de superioridade, sabendo que não precisamos intervir na realidade que nos cerca.


Quando estive na aldeia de meus amigos indígenas pela primeira vez, o pensamento que me ocorreu foi: "Quando Jesus entrar nesta cultura, eles acharão respostas para a miséria, para a destruição cultural e para a desolação em que este lugar se encontra". Mais de quinze anos depois, lamentavelmente, a situação da tribo está pior. Jesus entrou, a igreja chegou – no começo, trazendo uma renovação cultural necessária, reafirmando valores importantes como relacionamento, unidade tribal e identidade. Muitos indivíduos deixaram o vício do álcool e a promiscuidade que a proximidade com a civilização trazia. Depois, a revolução cristã foi se transformando em cultura religiosa. A falta de contato com a Palavra de Deus, ainda não traduzida, foi dando lugar a um sincretismo que seria até inofensivo se não fosse a ausência total de discipulado cristão. A participação das denominações evangélicas se fez notar no movimento inicial genuinamente indígena com a facção doutrinária que se instalou e acabou por dividir os clãs da tribo. Como na Irlanda do Norte, surgiu um conflito político cujos protagonistas valeram-se do argumento religioso para se fortalecerem. E a guerra santa interna acabou dividindo, inclusive geograficamente, a aldeia.

Com tudo isso, infelizmente, constato que indivíduos cristãos não criam automaticamente uma sociedade cristã. Na tribo, como no Brasil, o caos cultural, a ausência de valores morais que suplantem a chamada "lei do Gerson" – aquela seguida por quem quer levar vantagem em tudo – criam uma avalanche de problemas sociais que indivíduos transformados não conseguem bloquear.

E o que produz a Igreja? Quero pensar que o Espírito Santo transforma automaticamente o contexto cultural daqueles que lhe entregam o coração. Mas a realidade ao meu redor e a própria Bíblia contradizem esse meu romantismo religioso. Nem o Antigo, nem o Novo Testamento sustentam a idéia de que exista o livre pensador guiado apenas pelo vento do Espírito, profetizando em sua época como se tivesse vindo da lua. O Espírito Santo não é o único protagonista da história da Igreja. As tradições culturais, os axiomas sociais, a própria bagagem teológica, são atores muitas vezes mais influentes. Isso não quer dizer que a história de Deus não vá sendo escrita.

Este evangelho tosco, bem ou mal, vai deixando sua marca. Pensamos o que somos condicionados a pensar, pregamos o que, de certa forma, todas as gerações pregaram. As teologias que nos envolvem não são respostas à época que vivemos – mas são, muitas vezes, reflexos de tradições antigas que se perpetuam parasitando nas doutrinas essenciais. Nosso discurso soa anacrônico e temos dificuldade para apresentar soluções à realidade atual.

Uma das ênfases mais importantes do Evangelho de todas as eras é a volta iminente de Cristo. A iminência da sua volta já era uma idéia importante para Paulo, conforme I Tessalonicenses 5.1-2. Em todas as seguintes eras da Igreja, a volta de Cristo se tornou não apenas uma reflexão entre muitas outras, mas o mais importante combustível da fidelidade, do compromisso e do impulso de expansão dos cristãos. Em muitos momentos da história da Igreja, pessoas se atreveram a marcar o ano ou até o dia exato, recebido por "revelação".

Como todos os seres humanos, cristãos também se estressam e cansam, desesperam-se com o peso contínuo da cruz, buscam alguma maneira "espiritual" de fuga. Pois o advento do Salvador providencia esta esperança escapista de forma perfeita. Quando esperamos Cristo para logo, podemos olhar ao redor com um senso de superioridade, sabendo que não precisamos daquela realidade que nos cerca – seja a sociedade, as outras pessoas, o meio-ambiente. Ora, se Cristo está voltando, por que se preocupar com a sociedade em geral? As profecias sobre ela são as mais sombrias possíveis. O amor de muitos se esfriará, diz a Palavra; guerras serão comuns; a fome dizimará milhões. Toda responsabilidade cristã sobre o bem-estar da sociedade, sobre a implantação dos valores de Deus para que “venha o seu Reino assim na terra com no céu”, anula-se diante da expectativa cada vez mais real do mal inexorável.

Contribuindo com este clima, passagens bíblicas sobre a segunda vinda acabam se misturando com outras que se cumpriram no tempo de Cristo e pintam o quadro mais sombrio possível. A expectativa que alguns crentes têm sobre o mundo e sobre as pessoas que os cercam são piores do que a de muitos bruxos. A esperança e a fé, elementos essenciais aos princípios cristãos, tornam-se aplicáveis apenas ao indivíduo singular, quando muito ao grupo cristão, mas nunca à sociedade. O meio ambiente, então, é um grande inimigo. Terremotos, tempestades e furacões acontecerão constantemente, como armas de destruição em massa do grande Deus do juízo final. Este seria um Thor, o deus viking do trovão, ou Jeová-Jesus, o Deus judaico-cristão? Afinal, a única vez que Jesus se aproxima de uma tempestade é para apaziguá-la. Quando os discípulos quiseram usar o tempo para fritar alguns desviados, o Mestre não lhes permitiu. Nem arma divina nem somente sinais dos tempos. A Criação geme e sofre as dores e conseqüências dos pecados da humanidade.

A espera ansiosa pela vinda imediata de Jesus Cristo cria uma cosmovisão de mera sobrevivência espiritual, um Evangelho ralo, sem consequências mais profundas além da salvação que qualifica o crente para um possível arrebatamento. Mas o verdadeiro cristianismo se preocupa em influenciar. Os valores estabelecidos pelo Senhor são capazes de mudar radicalmente o rumo de sociedades inteiras, e não apenas isentar pequenos grupos do mal, terminando por seqüestrá-los para o céu.

Maranata! Ora vem, Senhor! Nós te esperaremos com fé, mas viveremos como se não fosses voltar antes de gerarmos nossos filhos, netos e bisnetos. Se não voltares amanhã, daqui a várias gerações alguém ainda se sentará nas lindas praças que construímos e se refrescará à sombra das árvores milenares que plantamos, e nas nascentes que salvamos. Talvez alguém, um dia, vai estudar a história e reconhecer que houve uma geração de cristãos que, séculos antes,pensou neles e lhes deixou um legado de amor.

Bráulia Inês Ribeiro
está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)

Um comentário:

Leonel D'Ávila disse...

Penso que o grande problema é que na maioria das tradições Cristo vem para levar os seus para algum lugar que não é esta terra.

Não há entre os crentes esse ideia de co-participação na construção e estabelecimento do Reino de Deus como realidade física - para alguns a ideia de Reino é uma coisa etérea, amorfa, um grande nada repleto de luz e tédio.

Cristo seria como a pessoa que esqueceu o celular e volta pra buscar. Cristo vem, pega o que seu e dane-se o resto do mundo.

Não penso assim. A volta de Cristo será o climax de todos esses eventos descritos nas Escrituras (guerras, tragédias naturais, esfriamento do amor, etc.), mas assim como no evangelho, Ele vem para "apaziguar a tormenta". Esta é nossa terra, dela somos co-herdeiros e, portanto, co- responsáveis pelo gerenciamento e manutenção dos recursos naturais e da vida. Como cristão, não somos só promotores de paz mas de vida - como nosso Pai que está nos Céus.

Parabéns pela bela e oportuna reflexão.


Leonel D'Ávila