03 março, 2008

Reforma Protestante

Eu sou de tradição protestante muito embora, para permanecer protestante, eu tenha me desligado das igrejas protestantes. É preciso esclarecer que a tradição protestante nada tem a ver, absolutamente nada, com esses movimentos religiosos que se denominam “evangélicos”. A tradição protestante não promete milagres, cultiva a razão, estimula a ciência, é profundamente ética, e a ela estão ligados nomes como Leibniz, Kant, Hegel, Kiekegaard, Albert Schweitzer, Martin Luther King Jr., Dag Hamarkjoeld, Dietrich Bonhoeffer, Mondelaine. Em que consiste essa tradição? A Reforma, contrariamente ao nome, não foi um movimento que visava “reformar” a Igreja Católica do século XVI: não se coloca remendo de pano novo em tecido podre. Não é um conjunto de doutrinas teológicas diferentes como justificação pela graça e sacerdócio universal das pessoas. Não é uma nova organização da igreja. Quem só sabe essas coisas não viu o que é essencial. Para dizer o que foi o espirito da Reforma vou me valer de uma peça musical, a 2a sinfonia de Gustav Mahler (1860 – 1911 ), chamada “Sinfonia da Ressurreição”.. Eis como ele mesmo descreve o último movimento da sinfonia: Chegou o dia do julgamento final. O terror cobre a terra. A terra estremece, as sepulturas se abrem, os mortos ressuscitam, poderosos e humildes, reis e mendigos, justos e injustos. Um grito terrível enche o universo com um pedido de perdão que enche o espaço. Ouvem-se as trombetas apocalípticas. É hora do ajuste de contas, débitos e créditos, céu e inferno, inferno tão bem pintado nas tela horrendas de Hieronimus Bosch. Então, em meio a um silêncio sinistro, ouve-se o canto de um rouxinol distante. Uma grande tranquilidade invade tudo. E eis, surpresa! Não há julgamento, não há débitos e créditos, não há justos e pecadores, não há poderosos e humildes, não há vinganças e recompensas, não há condenações! Um sentimento de amor perfuma o mundo.” A Reforma foi o canto de um rouxinol nesse horror de culpa e medo. Não há julgamento. Deus é todo bondade.

Rubem Alves

Nenhum comentário: