10 março, 2008

Atualidade da "aposta" de Pascal

Blaise Pascal (1623-1662) foi um dos grandes gênios do Ocidente como matemático, físico e filósofo. Em pleno debate com a razão moderna nascente, depois de uma profunda experiência espiritual, escreveu uma "Apologia da Religião Cristã". Ela deveria responder às objeções da época de forma cabal e irrefutável. Não conseguiu seu intento pois, muito doente, morreu com a idade de apenas 39 anos em 1662 em Paris. Deixou somente anotações e pensamentos dispersos que vêm sob o título "Pensées", "Pensamentos", apreciados até os dias de hoje.

Depois de tentar todo tipo de argumento em favor da fé, deu-se conta, de forma honrada, de que nenhum deles era cabalmente convincente. Foi então que forjou o famoso argumento da "aposta" válido até os dias atuais.

No parágrafo 233 de seus "Pensées" Pascal colocou a seguinte questão: "Dieu est, ou il n’est pas": "Deus existe ou não existe". Sustenta que a razão pode aduzir tanto argumentos a favor quanto contra a existência de Deus. Destarte não se consegue determinar uma resposta convincente. Como sair desse impasse? É ai que Pascal afirma:"il faut parier": "é necessário apostar". Você não tem escapatória porque, uma vez que suscitou a questão, você se encontra "embarcado nela" diz ele. A razão não sai humilhada pelo fato de ter que a apostar. A aposta apresenta a seguinte vantagem: "ou você tem tudo a ganhar ou você não tem nada a perder". Portanto, a aposta é racional.

Se você afirmar "Deus existe" e Ele de fato existe, você tem tudo a ganhar, a vida e a eternidade Se você afirmar "Deus não existe" e Ele de fato não existe, você não tem nada a perder: o sentido da vida e eternidade eram meros devaneios. Então é racional, aconselhável e justo que você afirme "Deus existe" e assim você tem tudo a ganhar.

Qual á a atualidade da "aposta pascaliana" para os dias atuais? Culturamente a questão não é mais posta em termos de "se Deus existe ou não" mas em termos: Que futuro tem o planeta Terra e a vida se tomarmos a sério os alarmes dados recentemente por cientistas renomados? Ha galáxias que engolem outras galáxias. Que sentido tem o universo que pela lei da entropia, irrefragavelmente, caminha para a morte térmica? Tem sentido a vida humana depois da experiência dos campos de extermínio nazista e da tsunami do sudoeste da Asia? Tem sentido o destino das grandes maiorias submetidas à fome, a todo tipo de exploração, com crianças estupradas e mulheres submetidas à escravidão sexual?

Somos desafiados também a apostar: apostamos que apesar de todas as contradições, trabalha um sentido secreto no universo. Ele um dia vai se manifestar e será a suprema felicidade da criação e assim ganhamos tudo. A luz tem mais direito que as trevas. Ou então tudo não passa de absurdo e a felicidade é ilusória e acabaremos todos no pó cósmico e assim não perdemos nada quando deixamos de acreditar.

Vale então apostar, numa atitude de confiança e de entrega radical (é o sentido bíblico de fé) de que o mundo é salvável e o ser humano resgatável a ponto de descobrir a irmandade universal até com as formigas do caminho. Apostando nisso, teremos tudo a ganhar aqui e na eternidade.

Leonardo Boff

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