04 janeiro, 2008

Vaia com Deus

“Vamos aplaudir mais forte, povo de Deus! A gente bate palmas aqui nesta igreja porque a Bíblia diz: ‘Batam palmas todos os povos’”.


Inapto e inepto, o pastor tentava ingenuamente animar o povo a participar da reunião. Infelizmente, o formato de culto que predomina em boa parte das comunidades só permite a participação popular ao aplaudir, cantar e dizer “amém” (ou expressões afins).

A origem dos aplausos está relacionada ao aspecto religioso. Em vários ritos pagãos, o ruído provocado pelas palmas era uma forma de chamar a atenção dos deuses. Interessante notar que hoje o rebanho continua sendo pavlovniamente condicionado a repetir esse tipo de gesto. O sucesso no adestramento parece desmentir a proximidade genética apenas com os símios. Basta espiar a performance uniforme da fauna amestrada em muitos templos.

Como acontece nos programas de auditório, a intensidade dos aplausos tornou-se referência para avaliar se o culto foi bom ou não. A adoção de um parâmetro equivocado abre espaço para toda sorte (ou seria “azar”?) de expedientes para provocar as palmas da congregação. Por exemplo, chamar celebridades de terceira linha para testemunhar que Jesus deu novo rumo para sua carreira decadente. Com direito a promoção de opúsculos e CDs na tradicional xepa após o fim da reunião.

Poucos se lembram de observar se a Palavra está produzindo transformação na vida dos ouvintes. Em certos modelos eclesiásticos vigentes essa tarefa realmente é impossível, já que a igreja perdeu características neotestamentárias fundamentais.

As pessoas apenas freqüentam reuniões nesses templos religiosos de consumo, sem nenhuma oportunidade de interação com os irmãos. Tornaram-se apenas consumidores açulados a todo o tempo por pastores-vendedores (tanto faz a ordem, neste caso) a adquirir campanhas, comprar desafios e aceder a apelos lamurientos na hora da oferta.

Matéria publicada recentemente na revista Veja SP abordou a questão da obrigatoriedade dos aplausos ao final de qualquer espetáculo. Independentemente da qualidade da apresentada, a ovação agora faz parte do script. Segundo o crítico de música erudita Irineu Franco Perpétuo, “um público menos informado não é criterioso e bate palmas o tempo todo”. Será que a asserção também é válida no caso das igrejas?

Após desempenho medíocre no palco, aplausos automáticos deixam os atores aliviados. O efeito é similar quando as palmas irrompem no meio de uma mensagem sem conteúdo pregada com entusiasmo. Não faltam candidatos a “puxadores de palmas”, remetendo à estratégia usada pelo imperador Nero de sempre levar uma claque para garantir a repercussão de seus discursos.

Se a contrapartida de reação fosse válida, também teríamos o direito de vaiar o que nos desagrada durante as reuniões. A banda não ensaiou e errou vários acordes? Vaias para os músicos. O pastor se desculpa antecipadamente dizendo que “Deus pediu” para ele mudar a mensagem e por isso não se preparou adequadamente? Nem é preciso esperar a pregação. Vaia nele. O preletor convidado testemunha que o Senhor “cegou” os guardas e eles não viram as várias infrações que cometeu no trânsito para chegar na igreja? Muuuitas vaias para o cara-de-pau.

Para alívio de muita gente, os apupos devem continuar proibidos. Aos insatisfeitos com a condição de claque muda ou de meros provedores de megalômanos infecundos, resta-lhes a mesma reação que têm muitos consumidores ao serem ignorados ou tratados de forma inadequada numa loja: retirar-se silenciosamente, geralmente para nunca mais voltar.

Sérgio Pavarini

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