Assim, o que nasceu de uma indignação ética e de amor pode se tornar algo diferente, algo movido pela raiva, que se encaminha para o ódio: uma luta movida pelo desejo de "vingança", pelo desejo de inverter a situação contra os inimigos (que podem ser os inimigos do povo, da classe ou dos pobres). Imbuídos desse tipo de desejo, os nossos discursos e ações passam a ser marcados mais pelo espírito de raiva/ódio; ao invés de um espírito imbuído de esperança de novos horizontes mais humanos.
Precisamos discernir as lutas contra o capitalismo com um critério ético-teológico para não reproduzirmos, mesmo que inconscientemente, a lógica da dominação. Muitos da elite têm ódio do povo que luta porque sentem medo de perder os seus privilégios materiais e a sensação de que são pessoas "especiais ou abençoadas", superiores às "gentinhas". Entretanto, se não tomarmos cuidado podemos reproduzir nas nossas lutas a mesma lógica do ódio, que - como nos lembra Pe Comblin - "vem também da raiva daqueles que se sentem rejeitados ou sem futuro".
Odiar o inimigo faz parte do instinto humano. Mas o cristianismo propõe uma novidade que vai além: "Ouviste que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mt 5,43-44). Mas, como amar os inimigos, aqueles que compactuam com o pecado estrutural e reproduzem no seu cotidiano os pecados de dominação, exploração e desprezo pelos mais pobres e fracos?
Uma pista para aprender a amar ou perdoar os inimigos está nas palavras de Jesus na cruz: "Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Este pedido revela o amor de Jesus para com todos, mas também nos revela que há algum tipo de incompreensão ou de erro da parte dos que o matam. Quando compreendemos o que e por que eles não sabem, torna-se mais fácil (mas nunca fácil) amarmos os nossos inimigos.
É claro que Jesus não está dizendo que os seus algozes não sabem que o estão matando. O que eles não sabem é o significado mais profundo desse acontecimento. Isto porque estão mergulhados no espírito de mentira e assassinato: eles crêem que o cumprimento das leis do Império Romano ou do Templo - expressões da injustiça - é o caminho de uma boa sociedade, e até mesmo da salvação. Como diz são Paulo, a verdade foi feita prisioneira da injustiça (Rom 1,18).
Por isso, muitos economistas que hoje funcionam como teólogos ou sacerdotes do sistema de mercado capitalista dizem com bastante naturalidade que a única forma de superar os graves problemas de pobreza e exclusão social é expandir a submissão às leis do mercado a todos os cantos do mundo.
A crítica à idolatria do mercado não significa uma crítica ao mercado como tal, mas sim uma crítica à absolutização das leis do mercado e as exigências sacrificiais que nascem dessa absolutização. O mercado é algo necessário às economias modernas, mas deve ser limitado, complementado e até direcionado pelas ações do Estado e também da sociedade civil.
Os conceitos de pecado estrutural e de idolatria se complementam: o primeiro enfoca mais a estrutura do capitalismo, enquanto que o de idolatria critica mais o espírito que move essa estrutura e os seus agentes.
Ao entendermos que o pecado estrutural do capitalismo é movido pelo espírito de idolatria, poderemos lutar contra o sistema capitalista, ao mesmo tempo, em que procuramos amar os nossos inimigos. As nossas lutas não serão movidos por raiva ou ódio, mas por amor aos pobres e também aos inimigos. Assim, no seguimento a Jesus, estaremos mostrando aos indiferentes e aos idólatras que a nossa causa é eticamente superior e que os nossos objetivos fazem bem não somente aos pobres, mas a toda humanidade e a todo planeta.
Jung Mo Sung
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