11 janeiro, 2008

A idolatria do capital e o amor aos inimigos

Na nossa luta espiritual contra o pecado estrutural do capitalismo (vide o artigo anterior, "Capitalismo, pecado estrutural e a luta espiritual"), precisamos tomar cuidado para não deixarmos nos levar pelo "espírito do mundo". Muitos de nós iniciamos nossa luta em favor dos pobres a partir da indignação frente à situação de injustiça social ou de uma interpelação de rostos e olhares de pessoas sofridas. Essa indignação, muitas vezes, se transforma em raiva por causa da indiferença de muitos e da oposição sistemática da elite e dos seus serviçais às transformações sociais necessárias e urgentes. Da raiva frente a uma situação à raiva das pessoas que se beneficiam das injustiças é um passo pequeno.

Assim, o que nasceu de uma indignação ética e de amor pode se tornar algo diferente, algo movido pela raiva, que se encaminha para o ódio: uma luta movida pelo desejo de "vingança", pelo desejo de inverter a situação contra os inimigos (que podem ser os inimigos do povo, da classe ou dos pobres). Imbuídos desse tipo de desejo, os nossos discursos e ações passam a ser marcados mais pelo espírito de raiva/ódio; ao invés de um espírito imbuído de esperança de novos horizontes mais humanos.

Precisamos discernir as lutas contra o capitalismo com um critério ético-teológico para não reproduzirmos, mesmo que inconscientemente, a lógica da dominação. Muitos da elite têm ódio do povo que luta porque sentem medo de perder os seus privilégios materiais e a sensação de que são pessoas "especiais ou abençoadas", superiores às "gentinhas". Entretanto, se não tomarmos cuidado podemos reproduzir nas nossas lutas a mesma lógica do ódio, que - como nos lembra Pe Comblin - "vem também da raiva daqueles que se sentem rejeitados ou sem futuro".

Odiar o inimigo faz parte do instinto humano. Mas o cristianismo propõe uma novidade que vai além: "Ouviste que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mt 5,43-44). Mas, como amar os inimigos, aqueles que compactuam com o pecado estrutural e reproduzem no seu cotidiano os pecados de dominação, exploração e desprezo pelos mais pobres e fracos?

Uma pista para aprender a amar ou perdoar os inimigos está nas palavras de Jesus na cruz: "Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Este pedido revela o amor de Jesus para com todos, mas também nos revela que há algum tipo de incompreensão ou de erro da parte dos que o matam. Quando compreendemos o que e por que eles não sabem, torna-se mais fácil (mas nunca fácil) amarmos os nossos inimigos.

É claro que Jesus não está dizendo que os seus algozes não sabem que o estão matando. O que eles não sabem é o significado mais profundo desse acontecimento. Isto porque estão mergulhados no espírito de mentira e assassinato: eles crêem que o cumprimento das leis do Império Romano ou do Templo - expressões da injustiça - é o caminho de uma boa sociedade, e até mesmo da salvação. Como diz são Paulo, a verdade foi feita prisioneira da injustiça (Rom 1,18).

Hoje também há muitos que realmente crêem que não há salvação da sociedade fora do sistema de mercado capitalista e da obediência fiel e até cruel, se preciso for, das suas leis. Para desvendar e criticar a exigência de sacrifícios de vidas humanas em nome do mercado capitalista, alguns teólogos da libertação (em especial Hugo Assmann) elaboraram o conceito de "idolatria do mercado". Ídolo é um produto das ações e interações humanas (um objeto ou uma instituição como mercado, Igreja ou Estado) que é elevado à categoria de absoluto, de sagrado, e em nome dele se exige sacrifícios de vidas humanas. Quem crê no ídolo (para esses, deus), mata com consciência tranqüila, pois mata em nome de seu deus. Os sofrimentos impostos sobre os mais fracos e pobres são justificados como sacrifícios necessários para o progresso ou salvação.

Por isso, muitos economistas que hoje funcionam como teólogos ou sacerdotes do sistema de mercado capitalista dizem com bastante naturalidade que a única forma de superar os graves problemas de pobreza e exclusão social é expandir a submissão às leis do mercado a todos os cantos do mundo.

A crítica à idolatria do mercado não significa uma crítica ao mercado como tal, mas sim uma crítica à absolutização das leis do mercado e as exigências sacrificiais que nascem dessa absolutização. O mercado é algo necessário às economias modernas, mas deve ser limitado, complementado e até direcionado pelas ações do Estado e também da sociedade civil.

Os conceitos de pecado estrutural e de idolatria se complementam: o primeiro enfoca mais a estrutura do capitalismo, enquanto que o de idolatria critica mais o espírito que move essa estrutura e os seus agentes.

Ao entendermos que o pecado estrutural do capitalismo é movido pelo espírito de idolatria, poderemos lutar contra o sistema capitalista, ao mesmo tempo, em que procuramos amar os nossos inimigos. As nossas lutas não serão movidos por raiva ou ódio, mas por amor aos pobres e também aos inimigos. Assim, no seguimento a Jesus, estaremos mostrando aos indiferentes e aos idólatras que a nossa causa é eticamente superior e que os nossos objetivos fazem bem não somente aos pobres, mas a toda humanidade e a todo planeta.

Jung Mo Sung

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