O jejum de dom Cappio está se aproximando do fim. O fim chegará mesmo que não se chegue a nenhuma solução para o impasse que se estabeleceu entre ele e o governo; afinal, o corpo humano tem seus limites. Ou o governo cede, ele cede ou ele morre: de qualquer forma o jejum acabará.
De um lado, dom Cappio diz que só terminará o jejum quando o governo definitivamente desistir do projeto de transposição do rio São Francisco, pois ele como discípulo de Jesus está disposto a dar a sua vida na defesa da vida dos pobres. Por outro lado, o governo diz que não pode desistir de um grande projeto econômico-social só porque uma pessoa promete fazer jejum até o fim. Isto seria abrir um grande precedente que poderia inviabilizar a execução de outras grandes obras. Pois estas, por serem sempre complexas, geram polêmicas e posições antagônicas na sociedade e poderiam aparecer outras pessoas fazendo jejum ou greve de fome. De uma certa forma, os dois lados têm suas razões.
Diante dessa situação, muitas pessoas têm manifestado apoio ao dom Cappio apresentando uma análise do problema a partir da seguinte alternativa: de um lado estão os pobres do nordeste e o dom Cappio, de outro os interesses dos grandes empresários ligados aos setores de agronegócios, hidronegócios e construções. E o governo teria feito a opção pelos capitalistas, contra os pobres. Neste sentido, um dos artigos publicados na Adital chega a dizer que Lula, como rio São Francisco, começa com fontes limpas, é seduzido por grande capital e termina em um fracasso do ponto de vista da história política e dos interesses populares.
Será que a realidade é tão clara e simples neste caso do projeto de transposição do rio São Francisco? De um lado a fé e o compromisso com a vida dos pobres e, por isso, oposição radical ao projeto; de outro, os interesses do grande capital agora defendido pelo governo Lula? É claro que a fé cristã está intimamente ligada à defesa da vida dos mais pobres, mas a questão não se esgota nessa "verdade da fé". Entre a defesa da vida dos pobres e as decisões sobre projetos econômico-sociais que melhoram (ou não) as condições da vida dos pobres há um hiato, que é preenchido por teorias econômicas, sociais, políticas e culturais. Não há uma ligação direta entre a fé e determinada decisão sobre projetos econômico-sociais. Divergência de opinião sobre qual o melhor caminho econômico-social-político para defender os direitos dos pobres (que no fundo são divergências de teorias sociais) não significa necessariamente uma divergência ou conflito no campo da fé ou da opção ético-política em favor (ou contra) os pobres.
Em outras palavras, ser a favor da transposição não significa necessariamente escolher o lado do grande capital contra os pobres. A mim me parece que o governo Lula tem um raciocínio que poderia ser resumido da seguinte forma: (a) os pobres do nordeste precisam de água, mas também de desenvolvimento econômico-social para saírem da situação de pobreza (que exige programas sociais como Bolsa Família) e viverem uma vida mais digna; (b) esse desenvolvimento não será possível somente com o esforço deles, pois eles carecem de conhecimento e de capital necessários para isso; (c) o Estado não tem condições para assumir essa tarefa sozinho, muito menos de dar empregos a todos na máquina do governo; (d) a iniciativa privada não tem muito estímulo para o investimento maciço no nordeste por causa da falta de infra-estrutura; (e) por isso, o governo deve investir na infra-estrutura (como a transposição do rio São Francisco) que, ao mesmo tempo, gere empregos e estimule novos investimentos privados para estimular ciclos virtuosos de desenvolvimento econômico sustentável, tanto em termos ambientais, sociais e econômicos.
Eu não sei se estou compreendendo corretamente a posição do governo Lula, nem se esta lógica é viável e o melhor para os pobres. Mas, se é verdade que vivemos em um mundo onde os "destinos" das pessoas e grupos estão ligados aos dos outros grupos e de todo o sistema (a realidade da interdependência) e onde há limites de recursos naturais, econômicos, culturais e também de poder político, devemos reconhecer que não podemos reduzir um assunto tão complexo como o da transposição a uma alternativa simples do tipo: a favor dos pobres e contra a transposição ou a favor das grandes empresas e desse projeto.
Para evitar mal-entendido, eu quero deixar bem claro que não estou, com essas reflexões, defendendo a posição do governo Lula. Como afirmei em um artigo anterior, eu não tenho conhecimentos técnicos suficientes para tomar uma posição mais firme sobre esse assunto. O meu objetivo foi de colaborar na discussão sobre este importante e urgente tema, pois, sem um diálogo frutífero - que pressupõe também a tentativa de compreender a posição e a argumentação do outro lado -, o que está em jogo não é somente a vida de dom Cappio. Pelo menos mais duas questões estão em jogo: a nossa compreensão do que é "dar vida pela fé e por amor aos pobres"; e as relações entre o "cristianismo de libertação" e os governos com opções populares que têm que lidar com o mundo operacional da economia globalizada e com temas macroeconômicos (por ex., nível de investimento, infra-estruturas necessárias para desenvolvimento econômico-social, equilíbrio fiscal, câmbio, inflação, etc.) dentro de marcos jurídicos e de relações de poder existentes entre os diversos grupos que compõe as instituições políticas do Estado e a sociedade.
De um lado, dom Cappio diz que só terminará o jejum quando o governo definitivamente desistir do projeto de transposição do rio São Francisco, pois ele como discípulo de Jesus está disposto a dar a sua vida na defesa da vida dos pobres. Por outro lado, o governo diz que não pode desistir de um grande projeto econômico-social só porque uma pessoa promete fazer jejum até o fim. Isto seria abrir um grande precedente que poderia inviabilizar a execução de outras grandes obras. Pois estas, por serem sempre complexas, geram polêmicas e posições antagônicas na sociedade e poderiam aparecer outras pessoas fazendo jejum ou greve de fome. De uma certa forma, os dois lados têm suas razões.
Diante dessa situação, muitas pessoas têm manifestado apoio ao dom Cappio apresentando uma análise do problema a partir da seguinte alternativa: de um lado estão os pobres do nordeste e o dom Cappio, de outro os interesses dos grandes empresários ligados aos setores de agronegócios, hidronegócios e construções. E o governo teria feito a opção pelos capitalistas, contra os pobres. Neste sentido, um dos artigos publicados na Adital chega a dizer que Lula, como rio São Francisco, começa com fontes limpas, é seduzido por grande capital e termina em um fracasso do ponto de vista da história política e dos interesses populares.
Será que a realidade é tão clara e simples neste caso do projeto de transposição do rio São Francisco? De um lado a fé e o compromisso com a vida dos pobres e, por isso, oposição radical ao projeto; de outro, os interesses do grande capital agora defendido pelo governo Lula? É claro que a fé cristã está intimamente ligada à defesa da vida dos mais pobres, mas a questão não se esgota nessa "verdade da fé". Entre a defesa da vida dos pobres e as decisões sobre projetos econômico-sociais que melhoram (ou não) as condições da vida dos pobres há um hiato, que é preenchido por teorias econômicas, sociais, políticas e culturais. Não há uma ligação direta entre a fé e determinada decisão sobre projetos econômico-sociais. Divergência de opinião sobre qual o melhor caminho econômico-social-político para defender os direitos dos pobres (que no fundo são divergências de teorias sociais) não significa necessariamente uma divergência ou conflito no campo da fé ou da opção ético-política em favor (ou contra) os pobres.
Em outras palavras, ser a favor da transposição não significa necessariamente escolher o lado do grande capital contra os pobres. A mim me parece que o governo Lula tem um raciocínio que poderia ser resumido da seguinte forma: (a) os pobres do nordeste precisam de água, mas também de desenvolvimento econômico-social para saírem da situação de pobreza (que exige programas sociais como Bolsa Família) e viverem uma vida mais digna; (b) esse desenvolvimento não será possível somente com o esforço deles, pois eles carecem de conhecimento e de capital necessários para isso; (c) o Estado não tem condições para assumir essa tarefa sozinho, muito menos de dar empregos a todos na máquina do governo; (d) a iniciativa privada não tem muito estímulo para o investimento maciço no nordeste por causa da falta de infra-estrutura; (e) por isso, o governo deve investir na infra-estrutura (como a transposição do rio São Francisco) que, ao mesmo tempo, gere empregos e estimule novos investimentos privados para estimular ciclos virtuosos de desenvolvimento econômico sustentável, tanto em termos ambientais, sociais e econômicos.
Eu não sei se estou compreendendo corretamente a posição do governo Lula, nem se esta lógica é viável e o melhor para os pobres. Mas, se é verdade que vivemos em um mundo onde os "destinos" das pessoas e grupos estão ligados aos dos outros grupos e de todo o sistema (a realidade da interdependência) e onde há limites de recursos naturais, econômicos, culturais e também de poder político, devemos reconhecer que não podemos reduzir um assunto tão complexo como o da transposição a uma alternativa simples do tipo: a favor dos pobres e contra a transposição ou a favor das grandes empresas e desse projeto.
Para evitar mal-entendido, eu quero deixar bem claro que não estou, com essas reflexões, defendendo a posição do governo Lula. Como afirmei em um artigo anterior, eu não tenho conhecimentos técnicos suficientes para tomar uma posição mais firme sobre esse assunto. O meu objetivo foi de colaborar na discussão sobre este importante e urgente tema, pois, sem um diálogo frutífero - que pressupõe também a tentativa de compreender a posição e a argumentação do outro lado -, o que está em jogo não é somente a vida de dom Cappio. Pelo menos mais duas questões estão em jogo: a nossa compreensão do que é "dar vida pela fé e por amor aos pobres"; e as relações entre o "cristianismo de libertação" e os governos com opções populares que têm que lidar com o mundo operacional da economia globalizada e com temas macroeconômicos (por ex., nível de investimento, infra-estruturas necessárias para desenvolvimento econômico-social, equilíbrio fiscal, câmbio, inflação, etc.) dentro de marcos jurídicos e de relações de poder existentes entre os diversos grupos que compõe as instituições políticas do Estado e a sociedade.
Jung Mo Sung
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