No dia 21 de novembro, completou-se um ano da morte de minha mãe, Vanira. Quem me conhece há muito tempo ou quem conversou comigo apenas algumas vezes acho que deu pra perceber o quanto aquela mulher baixinha e “cheinha” representou e representa pra mim.
Fomos amigos. Somos amigos.
As memórias das conversas, dos abraços, das lágrimas e dos sorrisos, das coisas que fizemos juntos mesmo quando separados permanecem intactas.
Lembro-me, por exemplo, dias antes de sua morte, que fomos juntos a uma consulta médica. Ela havia acabado de ler “Ensaio Sobre a Cegueira”, de Saramago. No caminho, comentou com entusiasmo que havia assistido pela televisão a indicação de Fernando Meireles para diretor da versão cinematográfica do livro que ela tanto apreciara.
E minha mãezinha estudou até a quinta série. No entanto, sonhou por sessenta e seis anos. E me ensinou a sonhar. E continua a me ensinar.
Dessa vez, tem me ensinado a sentir saudade. Temo, no entanto, que essa lição eu demore aprender. Talvez leve a vida inteira.
A sinfonia do perdão
No dia 21 de novembro de 2006, minha mãe, Vanira, levantou-se mais cedo que de costume. Sentou na cadeira da sala de jantar e puxou uma conversa leve e descompromissada com meu pai.
Surpreso com sua presença inesperada, seu Jorge, o “preto” como era carinhosamente chamado por ela, esticou o bate-papo.
Minutos depois, ela reclamou de uma dor no peito e foi se deitar. Ele a acompanhou.
Ao lado da cama, a frase inesperada: “Preto, me perdoe. Me perdoe pelas palavras ásperas e pelas dores que lhe causei nesses anos juntos” (quarenta e seis, pra ser mais exato).
“Eu é que te peço perdão!”, ele respondeu. Foram as últimas palavras de minha mãe.
Naquele quarto apertado de uma casa pequena e simples perdida na periferia da grande cidade uma obra de rara beleza foi executada. O tema? A Sinfonia do Perdão.
Aqui nesse mundinho fétido, apenas dois seres que se amaram e que foram cúmplices e parceiros de vida ouviram-na em toda a sua exuberância. No céu, míriades de anjos e Seu Grande Compositor testemunharam-na.
Minhas lágrimas apenas captaram o eco de seus últimos acordes e registraram-na em minha alma como a mais linda obra musical que ouvi em toda a minha vida.
Jorge Camargo
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