Lamento ter redirecionado meus talentos da oralidade para a escrita. Antigamente eu falava muito e escrevia pouco. De uns tempos para cá, venho tentando concentrar meus pensamentos no texto. Ah, como isso me trouxe problemas!
Primeiramente, viciei-me. Agora não consigo mais dormir em paz. Todas as noites vou me deitar ruminando idéias, concebendo metáforas, procurando dar vida a personagens, imaginando temas inéditos. Quando pareço contente, repentinamente sou atormentado por um espírito que vem do mundo onde habitam poetas, cronistas e romancistas. Esse misterioso ser me humilha, escancarando minha mediocridade. Varo noites repetindo para mim mesmo que me contentaria de só engraxar os sapatos dos gênios da literatura.
Escrever tornou-se um problema para mim. Na dissertação, descobri como preciso ser exato na semântica. Escrevendo, percebi que não posso simplesmente despejar palavras no texto, pois isso não só o empobrece, como me condena a tornar-me inconseqüente.
Nos tempos em que eu só falava, o dito ficava pelo não dito. Quando ouso redigir, noto que as palavras se eternizam. Quantas vezes já fui consumido por não encontrar um vocábulo adequado, por não saber ordenar os pensamentos numa construção gramatical compreensível, por não manter os raciocínios límpidos. Em um artigo banal, preciso das lupas de um Sherlock para escolher a metáfora que transmita melhor o que me está camuflado na alma. Tenho algumas idéias que se mimetizam tão rapidamente que não consigo fazer o devido paralelo entre meus desassossegos e a redação.
Arrependo-me de ter aceitado o desafio de redigir porque acabei me expondo além do que devia. Em meus devaneios autobiográficos e nas minhas crônicas reais e fantasiosas, deixei-me comer por canibais anônimos; alguns ferozmente se aproveitaram de meus pequenos deslizes para me estraçalharem. Desde cedo eu havia aprendido que deveria manter o grande público do lado de fora dos meus jardins, quintais e, principalmente, de minha alma. Caramba! Deu errado. Já não sei escrever sem me derramar, sem me despejar em reminiscências, sem abrir minhas entranhas.
Arrependo-me de ter começado a escrever porque acordei para minhas muitas incoerências. No passado, quando articulava discursos, não ligava se me contradizia. Agora, consciente do que grafei, preciso manter a robustez dos pensamentos sobre Deus, sobre a vida, sobre o sofrimento humano. O texto corrige miopias, refina conjecturas e censura descuidos. Ele exige que o autor defenda suas idéias até às últimas conseqüências. Confesso sentir saudade da época em que fui menos criterioso e tagarelei diante de grandes auditórios sem que ninguém me cobrasse exatidão.
Arrependo-me de ter aliciado algumas pessoas para meu texto. Atraí alguns imprudentes leitores e eles, coitados, passaram a gostar das minhas doidices autofágicas, das minhas apostasias teológicas e dos meus delírios existenciais. Pior, condenei-me a continuar escrevendo para alimentar esses famintos pintassilgos que, de bico aberto, esperam o insípido pão que regurgito em forma de palavra.
Arrependo-me de querer transformar minha carne em verbo. Só depois que me aventurei por esse território onde vivem os deuses é que entendo por que os substantivos almejam virar verbos. Amor, substantivo abstrato, sonha um dia tornar-se concreto. Os pensamentos querem existir em forma de ação e as palavras, vertebrar-se em atos. Se, antigamente, escondi-me nos discursos etéreos, a escrita passou a exigir que eu me fizesse carne.
Arrependo-me de ter ousado escrever porque agora sei um pouco mais – “a quem muito foi dado, muito será cobrado”. Lamento ter alcançado níveis mais largos de consciência.
Bem que deveria ter continuado falando, falando...
Primeiramente, viciei-me. Agora não consigo mais dormir em paz. Todas as noites vou me deitar ruminando idéias, concebendo metáforas, procurando dar vida a personagens, imaginando temas inéditos. Quando pareço contente, repentinamente sou atormentado por um espírito que vem do mundo onde habitam poetas, cronistas e romancistas. Esse misterioso ser me humilha, escancarando minha mediocridade. Varo noites repetindo para mim mesmo que me contentaria de só engraxar os sapatos dos gênios da literatura.
Escrever tornou-se um problema para mim. Na dissertação, descobri como preciso ser exato na semântica. Escrevendo, percebi que não posso simplesmente despejar palavras no texto, pois isso não só o empobrece, como me condena a tornar-me inconseqüente.
Nos tempos em que eu só falava, o dito ficava pelo não dito. Quando ouso redigir, noto que as palavras se eternizam. Quantas vezes já fui consumido por não encontrar um vocábulo adequado, por não saber ordenar os pensamentos numa construção gramatical compreensível, por não manter os raciocínios límpidos. Em um artigo banal, preciso das lupas de um Sherlock para escolher a metáfora que transmita melhor o que me está camuflado na alma. Tenho algumas idéias que se mimetizam tão rapidamente que não consigo fazer o devido paralelo entre meus desassossegos e a redação.
Arrependo-me de ter aceitado o desafio de redigir porque acabei me expondo além do que devia. Em meus devaneios autobiográficos e nas minhas crônicas reais e fantasiosas, deixei-me comer por canibais anônimos; alguns ferozmente se aproveitaram de meus pequenos deslizes para me estraçalharem. Desde cedo eu havia aprendido que deveria manter o grande público do lado de fora dos meus jardins, quintais e, principalmente, de minha alma. Caramba! Deu errado. Já não sei escrever sem me derramar, sem me despejar em reminiscências, sem abrir minhas entranhas.
Arrependo-me de ter começado a escrever porque acordei para minhas muitas incoerências. No passado, quando articulava discursos, não ligava se me contradizia. Agora, consciente do que grafei, preciso manter a robustez dos pensamentos sobre Deus, sobre a vida, sobre o sofrimento humano. O texto corrige miopias, refina conjecturas e censura descuidos. Ele exige que o autor defenda suas idéias até às últimas conseqüências. Confesso sentir saudade da época em que fui menos criterioso e tagarelei diante de grandes auditórios sem que ninguém me cobrasse exatidão.
Arrependo-me de ter aliciado algumas pessoas para meu texto. Atraí alguns imprudentes leitores e eles, coitados, passaram a gostar das minhas doidices autofágicas, das minhas apostasias teológicas e dos meus delírios existenciais. Pior, condenei-me a continuar escrevendo para alimentar esses famintos pintassilgos que, de bico aberto, esperam o insípido pão que regurgito em forma de palavra.
Arrependo-me de querer transformar minha carne em verbo. Só depois que me aventurei por esse território onde vivem os deuses é que entendo por que os substantivos almejam virar verbos. Amor, substantivo abstrato, sonha um dia tornar-se concreto. Os pensamentos querem existir em forma de ação e as palavras, vertebrar-se em atos. Se, antigamente, escondi-me nos discursos etéreos, a escrita passou a exigir que eu me fizesse carne.
Arrependo-me de ter ousado escrever porque agora sei um pouco mais – “a quem muito foi dado, muito será cobrado”. Lamento ter alcançado níveis mais largos de consciência.
Bem que deveria ter continuado falando, falando...
Ricardo Gondim
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